Unidade do CAPS

CAPS não é chacota: por que é errado fazer piada com esse serviço? 

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços públicos que atendem às necessidades de saúde mental das pessoas

Por Beatriz de Oliveira

09|10|2024

Alterado em 09|10|2024

Não raro, vemos nas redes sociais conteúdos e comentários que ridicularizam pacientes dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Atrás do tom de piada das publicações, entretanto, está a descredibilização de um serviço público e a estigmatização de seus usuários. É isso que defende a psicóloga e psicanalista Késia Rodrigues. “Os memes tem o intuito de ridicularizar um serviço e trazer um discurso manicomial de uma forma jocosa. A piada é um lugar político”, pontua.

Os CAPS são serviços ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS) que atendem às necessidades de saúde mental das pessoas. “É um serviço de saúde substitutivo aos manicômios que visa atender pessoas em sofrimento psíquico grave, com dimensão integral de cuidado. Então além da psiquiatria, tem serviço de psicologia, enfermagem, terapeutas ocupacionais. É um espaço para as pessoas passarem o dia”, explica. 

mulher negra de tranças

Késia Rodrigues é psicóloga e psicanalista

©arquivo pessoal

Késia acrescenta que esse serviço tem como objetivo fortalecer a autonomia dos indivíduos e o vínculo deles com o seu território. “Os CAPS têm a impressão de serem casas dentro da comunidade, diferente dos manicômios que estavam em lugares afastados e fora desse lugar social”, diz. 

Moradora de Diadema (SP), Carla de Oliveira, de 19 anos, passou dois anos em tratamento no CAPS, a fim de lidar com déficit de atenção, transtorno de ansiedade e depressão. Sobre os memes em relação a esse serviço, considera alguns engraçados e outros desrespeitosos.

A jovem conta que se sentia acolhida pelos profissionais e pelos grupos de convivência que participava. Além disso, recebeu orientações sobre questões como mercado de trabalho e vida sexual. “Se hoje eu estou melhor, mais centrada, foi por conta desses profissionais [do CAPS]”, diz. 

jovem usa óculos e tem cabelos cacheados

Carla de Oliveira frequentou o CAPS por dois anos

©arquivo pessoal

Atualmente, o Brasil conta com 2.795 CAPS, segundo o Ministério da Saúde. Apesar de não haver dados sobre a raça dos usuários, a psicanalista Késia Rodrigues destaca que grande parte são pessoas negras e que a ridicularização do CAPS também exibe traços de racismo. Nota-se que dos 150 milhões de brasileiros que são totalmente dependentes do SUS, 67% deste número são pessoas negras, segundo a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.

“A maioria das pessoas com transtorno mental grave e que foram institucionalizadas são pessoas pretas. Ridicularizar essas pessoas mais uma vez desumaniza. Então, há essa junção muito forte do racismo quando a gente fala de manicômio e de pessoas em sofrimento psíquico”, afirma.

A psicóloga também alerta que os memes sobre o CAPS induzem ao cuidado individual, despolitizado e particular. “Devido à lógica mercadológica, as pessoas acreditam que só o cuidado individual funciona, e o CAPS é um serviço coletivo. Os memes desqualificam esse cuidado que é político, pensado no território, na inclusão”.