Bolsonaro mente ao associar votos nordestinos em Lula ao analfabetismo
O analfabetismo diminuiu no governo Lula e a abstenção nas eleições é maior entre as pessoas que não sabem ler nem escrever
Por Beatriz de Oliveira
06|10|2022
Alterado em 06|10|2022
“Onde a esquerda entra, leva o analfabetismo, leva a falta de cultura, leva o desemprego, leva a falta de esperança”, afirmou o presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta quarta-feira (5) em live nas redes sociais. A declaração foi feita logo após ler o título de uma matéria da CNN Brasil, a qual informa que o ex-presidente Lula venceu o primeiro turno das eleições de 2022 em nove dos dez estados com maior taxa de analfabetismo. “Você sabe quais são esses estados? Do nosso Nordeste”, diz.
No primeiro turno da disputa para presidência da República, Lula obteve 67% dos votos na região nordestina, enquanto seu principal adversário ficou com 26,8%. Nordestinos foram alvo de ofensas xenófobas por parte de bolsonaristas nas redes sociais. Diante da derrota nesse território, o atual presidente associa a vitória de Lula ao índice de pessoas que não sabem ler nem escrever.
De fato, entre os dez estados com maior taxa de analfabetos, nove estão no Nordeste. O único estado da lista fora do território nordestino é o Acre, onde Jair Bolsonaro obteve a maior porcentagem de votos no primeiro turno. No entanto, outros indicadores demonstram que a fala do presidente, além de preconceituosa, é mentirosa.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 13,63% da população brasileira era analfabeta nos anos 2000, três anos antes do início do primeiro governo Lula. Em 2010, no penúltimo ano do segundo mandato de Lula, essa taxa diminuiu para 9,6%, o que correspondia a quase 14 milhões de cidadãos, sendo cerca de 40% deles idosos. A redução desmente a afirmação de que “onde a esquerda entra, leva o analfabetismo”.
Dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Educação (PNAD Educação), de 2019, indicam que a atual taxa de analfabetismo no país é de 6,6%, o que representa cerca de 11 milhões de brasileiros. Na região Nordeste, o índice chega a 13,9% da população. O analfabetismo atinge em maior parte os homens, com 6,9%; para as mulheres o percentual é 6,3%. Vale citar que o público feminino é o que mais rejeita Bolsonaro.
A declaração do candidato à reeleição também torna-se falsa diante do fato da abstenção nas eleições ser concentrada entre analfabetos e pessoas de baixa escolaridade. Um artigo publicado pelo cientista político Jairo Nicolau em setembro de 2022, com dados das eleições de 2018, afirmou que “o percentual [de comparecimento eleitoral] cresce de maneira constante à medida que aumenta a faixa de escolaridade”.
Com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a análise do cientista aponta que apenas 49,2% dos analfabetos votaram nas eleições, enquanto a taxa para quem tem Ensino Superior foi de 88,4%. O artigo mostra ainda que entre os analfabetos presentes nas urnas, os homens são maioria.
Na quarta-feira (5), antes mesmo da manifestação do atual presidente, Jairo Nicolau questionou a forma como a matéria da CNN expôs os dados e disse que “na busca de encontrar novidades nos dados, [parte dos jornalistas de dados] fazem análises apressadas e gráficos sem sentido”.
Além de todos esses fatores, dados divulgados pelo TSE em julho de 2022 mostraram que a maioria do eleitorado brasileiro tem Ensino Médio completo. São 41.161.552 eleitoras e eleitores, o equivalente a 26,31% das pessoas aptas a votar nas eleições de 2022. Analfabetos, que não têm voto obrigatório, ficaram em último lugar na lista e representam 4,05% dos votantes.