A cidade toda preta: a potência da marcha das mulheres negras e indígenas em SP
Centenas de mulheres percorreram as principais ruas do centro da cidade; o evento celebrou o Dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha e também o Dia Nacional de Tereza de Benguela.
Por Jéssica Moreira
26|07|2017
Alterado em 26|07|2017
Na última terça-feira (25), aconteceu em São Paulo a Marcha das Mulheres Negras e Indígenas de SP , reunindo centenas de mulheres que percorreram as principais ruas do centro da cidade. O evento celebrou o Dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha e também o Dia Nacional de Tereza de Benguela.
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Turbantes, tranças e cabelos crespos em todas as suas texturas, tamanhos e cores. Quando olhei, de cima de um degrau, a cidade estava preta. Preta como ela deveria ser todos os dias. Ali, ainda na concentração, variadas vezes senti mexer meu coração. As falas, muitas delas misturadas ao tambor, chegavam gritando bem fundo, bem nas dores e amores que carrego como também preta. No microfone, havia espaço pra todas. “Por muitos anos nos silenciaram, então temos que falar”.
Marcha das Mulheres Negras/ Créditos: Pedro Borges- Alma Preta
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Enquanto os dizeres ecoavam naquela praça de cima a baixo, as mãos pretas carregavam faixas lembrando aquelas que continuam presentes em nós. “Luana presente”. Tinha tanta firmeza em tanto olhar, que, mesmo sozinha, eu me sentia junto. Sorrisos e abraços, punhos fechados ao ar. “Nossos passos vêm de longe”, dizia uma delas, lembrando mais uma vez a nossa diáspora.
Marcha das Mulheres Negras e Indígenas de SP | Créditos: Pedro Borges – Alma Preta
Tentei captar os detalhes mais sutis daquela caminhada. Os sorrisos, as crianças no colo de suas mães. Havia tanta beleza nos tantos tons de preto. No caminho para o Teatro Municipal, os tambores e afoxés mexiam os corpos, nosso jeito de estar no mundo é expansivo, nosso corpo é território vivo que preenche de alegria as ruas mais largas que, no dia a dia, nos impedem de estar.
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As mães de santo iam na na dianteira junto às mulheres indígenas. Mãos dadas, cirandas que lembram o começo de nosso encontro em terras brasis. Demarcação já. Contra o genocídio do povo preto. Contra o racismo. Contra a lesbofobia. Contra o apagamento de ambas as histórias, essas mulheres estavam ali, nesse agora, erguendo uma nova memória pro seu povo, pras crianças que seguiam, juntas, em coro. Foi bonito de ver as mulheres do Ylu Obá sentando no chão, pausando seus instrumentos, para as mulheres indígenas entoarem seus cantos, (re)significando a história que nos une. Uniu, ontem, em afeto.
Marcha das Mulheres Negras e Indígenas de SP | Pedro Borges, Alma Preta
©Pedro Borges / Alma Preta
Em frente ao Teatro Municipal, o Levante Mulher trouxe no corpo e na voz e a história de Dandara, enquanto as caminhantes sentaram em volta, o que, pra mim, era quase um abraçar das nossas memórias, tão vivas ali naquele espaço. Depois, ao caminhar para o Largo do Paissandu, vi muitas mãos dadas e amor florescendo entre tantas mulheres negras que, ao fim, ouviram ali Yzalu, Mc Soffia e Luana Hansen com suas letras que nos chamam também a se levantar.
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