Dispareunia (ou vaginismo) e a cultura da dor  

Falo de dor em uma coluna de prazer pois quero também por aqui ter o compromisso de falar sobre dispareunia

20|03|2024

- Alterado em 17|05|2024

Por Maria Chantal

Flores, porta-retratos, eletrodomésticos e parabenizações. Todo 8 de março é aquela velha história. Uma das camadas mais ignoradas e sobrepujadas de diversas sociedades recebe nos dias que celebram sua vida, frases e objetos, que de forma assimétrica solucionam seus problemas ou a complexidade de sua existência.

Ser mulher está para além de uma organização genital específica. É a forma com que esse corpo é lido, tratado ou destratado, além de todos os espaços, lugares, horários e conhecimentos que serão permitidos acessar. Entretanto, apesar da não limitação genital, torna-se necessário voltar-se para esse assunto, a fim de buscar possíveis soluções para problemas que se tornam piores a partir do desconhecimento, causado pela invisibilidade.

Um dos meus maiores incômodos enquanto educadora menstrual e corporal é que, ao conversar com mulheres cis sobre a qualidade de suas vidas sexuais, é comum que se ignore a dor corporal e apenas se importe quando essa condição afeta seus relacionamentos, pois acredita-se que a mulher tem o dom natural do cuidado. Além disso, também há a naturalização da dor.

A cultura da dor educa mulheres cis a acreditarem que a primeira relação sexual, por via de regra, sempre dói, partindo de uma educação sexual que tem pouco embasamento científico, mas está saturada de achismos e experiências forjadas na dor, o que faz um ciclo repetir-se, repetir-se, repetir-se…

Em uma das histórias bíblicas, é contado que da árvore que ficava no meio do sagrado jardim nasceu uma das principais justificativas para o tormento feminino. Como resultado da desobediência de seu criador, um casal da cor do barro é castigado. Ele com trabalho árduo e ela que foi responsável, assim como Pandora, pelas desgraças no mundo, teve impresso em seu corpo, especificamente na pelve, a dor. Seja você pertencente ao lado criacionista ou evolucionista, saiba que a crença advinda do Éden atravessa a todos, e chega aos tempos de hoje colaborando para que o vínculo do ser mulher, seja não com os orgasmos múltiplos ou inervações direcionadas ao prazer, mas a dor, e esta vem sendo bússola nos caminhos das mulheres cisgêneras das mais diversas idades. Assim, desde o princípio, espera-se que doa a menarca, o sexo, o parto e outras experiências físicas e psicoemocionais.

Falo de dor em uma coluna de prazer pois quero também por aqui ter o compromisso de falar sobre dispareunia. Um dos assuntos pouco debatidos de forma coerente, quando se fala em saúde sexual.

Na definição da fisioterapeuta pélvica e doutora em Ciências da Saúde, Márcia Oliveira, esta é “a dor sentida nos genitais durante o ato sexual. Pode ocorrer de forma superficial, profunda ou ambas as formas combinadas.” Adiciono aqui o trabalho de Ana Paula Moreira, que a partir de seu trabalho de formação de doutorado explica que “a dor relacionada ao ato sexual não é o único fator que caracteriza a dispareunia”. Ana Paula explica que essa é uma condição que afeta a lubrificação, pode levar à diminuição do desejo e até resultar em uma dificuldade de experimentar um orgasmo prazeroso.

O que é dispareunia

Antes de tudo, é interessante explicar que dispareunia pode ser um termo guarda-chuva que traz dentro de si diversas condições de saúde que resultam em uma dor sexual, como vaginismo e vulvodínia, isso porque essa sensação de dor ou incômodo pode se localizar em diversos pontos da genitália e, a depender de onde essa dor ocorra, seu nome vai mudar. A fisioterapeuta Márcia Oliveira traz em seu estudo nomes como vestibulodínia, quando a dor é no vestíbulo, clitorodínia quando a dor é no clitóris e explica que a dor pode ocorrer em apenas um dos lados da vulva, ganhando o nome de hemivulvodínia e caso a dor ocorra na vagina o nome dado é vaginismo.

Em seu livro intitulado “Da dor ao prazer” Márcia Oliveira explica que a dor aparece diante da penetração que “pode ser do pênis, do dedo, de absorventes, medicamentos e dispositivos para exames.” E acrescenta que a naturalização da dor diante do contato vulvar ou vaginal contribuem para uma ansiedade e para o medo. Por isso ressalto a necessidade de uma conversa honesta sobre virgindade e expectativas do primeiro contato sexua. Já falamos sobre isso por aquil.

Em seu livro intitulado “Da dor ao prazer”, Márcia Oliveira explica que a dor aparece diante da penetração que “pode ser do pênis, do dedo, de absorventes, medicamentos e dispositivos para exames.” E acrescenta que a naturalização da dor diante do contato vulvar ou vaginal contribuem para uma ansiedade e para o medo. Por isso ressalto a necessidade de uma conversa honesta sobre virgindade e expectativas do primeiro contato sexual. Já falamos sobre isso por aqui.

 O que está associado ao surgimento de dispareunias

Sendo esta uma condição que não se isola em si mesma, não é possível apontar um fator exclusivo capaz de determinar sua causa de forma absoluta. Portanto, acredito que seja melhor falar sobre o que geralmente está associado ao surgimento dessa condição, de acordo com os estudos mais recentes.

A pesquisa de 2017, conduzida pelas fisioterapeutas e ginecologistas Isabelle Siqueira Lima, Maria Letícia Pereira de Sousa, Melissa de Queiroz Carvalho e Sandra Rebouças Macedo, acompanhou 51 mulheres com vaginismo, com idades entre 18 e 50 anos. O estudo revela que o surgimento do vaginismo pode estar relacionado a diversos fatores, que vão desde a educação rígida dos cuidadores e a repressão sexual tanto da família quanto social e religiosa, até o medo da relação sexual, experiências prévias negativas, culto à virgindade e abuso sexual.

Na pesquisa de doutorado de Ana Moreira da Silva, de 2018, em ginecologia e obstetrícia, as associações feitas estão relacionadas a sintomas que podem surgir tanto a partir de fatores orgânicos, como disfunção musculoesquelética, endometriose, atrofia vaginal, trauma, escoriações, gravidez ectópica, infecções e inflamações ginecológicas, quanto a fatores comportamentais e/ou psicológicos, como falta de lubrificação vaginal devido a carências de estímulos, timidez da mulher, evento sexual traumático anterior ou educação repressora.

Já o coordenador do Ambulatório de Sexologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Ramon Luiz Moreira, em sua pesquisa de 2012, relaciona o vaginismo a situações como traumas não sexuais no passado (acidentes de automóveis, violência doméstica, assaltos à mão armada), que podem desencadear o vaginismo. Existem também casos de vaginismo surgidos após a menopausa, tipicamente devido à atrofia genital no período ou sem esse fator.

Tratamento

Se o ponto de interseção entre as causas de uma dor sexual-pélvica é o estresse gerado por uma educação repressora, o medo da dor durante o sexo e algum evento sexual ou não sexual, para além de fatores fisiológicos, como seria o tratamento dessa condição?

É interessante que o tratamento envolve profissionais de diversas áreas. Alguns tratamentos podem incluir educação sexual, técnicas de auto relaxamento com exercícios respiratórios, alongamento dos músculos, eletroestimulação intravaginal e massagem perineal, e seu sucesso é avaliado comparando a qualidade de vida pós-tratamento.

Profissionais de saúde 

Devido à naturalização da dor durante o sexo e à desinformação, muitas mulheres não sabem que os incômodos e dores que sentem relacionados à prática sexual são uma condição que afeta de 8 a 21,1% da população mundial, conforme dados da OMS de 2006. Isso faz com que seja comum, em muitos casos, ser o profissional de saúde quem informa o paciente. A pesquisa “Implicações do vaginismo no cotidiano das mulheres” demonstra o desejo de pacientes de que os profissionais tenham maior preparo. No artigo “Vaginismos”, Ramon Moreira chama atenção para o quanto, diante de um profissional de saúde, consegue-se evitar situações onde pacientes são “tratadas como neuróticas ou difíceis e acusadas de não colaborarem com o exame médico”, o que pode se agravar, pois “às vezes referem que o exame ginecológico é como um estupro, já que a questão básica dessa disfunção sexual é a incapacidade em permitir a penetração vaginal, seja através do ato sexual, do exame ginecológico ou em alguma outra situação, mas nem sempre em todas”.

Cada vez mais médicos especializados têm surgido. Se você teve uma experiência negativa que te desanimou a procurar ajuda e fazer o tratamento em prol da sua qualidade de vida, saiba que você deve sim procurar por um atendimento respeitoso, onde seu relato é ouvido.

Este texto não tem a pretensão de diagnosticá-la. Trata-se de uma coluna informativa. Portanto, reforço: você não deve naturalizar a dor; investigue sempre. Por exemplo, se atividades que envolvem o contato com sua região íntima, como sentar, usar roupas justas e outras atividades que não sejam necessariamente sexuais, mas também elas, te geram desconforto ou dor, procure ajuda profissional.

Maria Chantal Maria Chantal é uma mulher cis, bissexual, angolana em diáspora no Brasil. Estudiosa autodidata da Ginecologia Natural, atua como educadora menstrual, compartilhando conhecimentos sobre prazer, rebolado afro referenciados e a naturalização do ciclo uterino.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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