Por uma escola que seja capaz de alterar as relações marcadas pelo racismo
Pesquisadora Raquel Souza comenta desigualdades raciais históricas na educação básica e avalia implementação de normas que buscam a equidade
Por Beatriz de Oliveira
07|11|2023
Alterado em 07|11|2023
Assim como toda a sociedade brasileira, a escola é atravessada pelo racismo e por desigualdades históricas. Ao mesmo tempo, é um ambiente central nas estratégias de reparação dessas injustiças. Diante disso, no Brasil conta com marcos legais e normas que estabelecem práticas e metas para alcançar a equidade racial na educação básica.
“Historicamente, o sistema educacional brasileiro foi altamente excludente”, explica Raquel Souza, doutora em Sociologia da Educação e coordenadora de pesquisa e avaliação do Instituto Unibanco. Ela acrescenta que, apesar de uma taxa de matrícula de quase 100% das crianças, as escolas não garantem as mesmas possibilidades de trajetória para brancos e negros.
Isso se reflete, por exemplo, nos dados de evasão e reprovação escolar. A Pnad Contínua da Educação 2019, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, revelou que dos 10 milhões de jovens brasileiros entre 14 e 29 anos de idade que abandonaram a escola sem completar a educação básica, mais de 70% são pretos ou pardos.
A educação básica corresponde à primeira fase de ensino escolar e tem por objetivo desenvolver os estudantes e oferecer-lhes formação indispensável para o exercício da cidadania. É formada por educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.
O racismo reverbera ainda na subjetividade de estudantes negros, como Raquel Souza mostrou em sua tese de doutorado “E depois da escola? Desafios de jovens egressos do ensino médio público na cidade de São Paulo”. A pesquisadora afirma que “há uma parcela dos estudantes negros que constroem uma subjetividade na relação com a escola, em que eles acham que não são capazes de estudar, que não foram feitos para estudar, que não tem competências e capacidade cognitiva para ser um bom aluno”, e acabam se culpando por um problema que é externo.
Raquel Souza aponta que as principais responsáveis por evidenciar o racismo nas escolas foram as pesquisadoras negras e ligadas ao movimento negro. Foram elas também que alertaram que a construção de uma sociedade antirracista passa pela existência de uma educação comprometida com as relações étnico-raciais.
Equidade racial na teoria
A partir dos anos 2000, temos marcos legais importantes que colocam a equidade racial como objetivo a ser alcançado na educação básica. Conheça alguns deles:
2003 – Lei sobre ensino de história e cultura afro-brasileira
A Lei 10.639/03 incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Em 2008, a lei foi novamente alterada para adicionar o ensino de história e cultura indígena.
2004 – Diretrizes para a educação das relações ético-raciais
Em 2004, o Ministério da Educação e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial publicaram o documento “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, estabelecendo orientações para a equidade racial na educação.
2014 – Plano Nacional de Educação
Em 2014, foi instituído o Plano Nacional de Educação, ou PNE, com vigência entre 2014 e 2024. Entre as metas do plano está a de igualar a escolaridade média entre negros e não negros.
2022 – Fundeb e equidade racial
Em julho de 2022, foi publicada resolução do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) que implementou o Vaar (Valor Aluno/Ano por Resultado). Sendo assim, a partir de 2023 o Vaar é um valor repassado pelo governo federal para as redes de ensino que alcançarem redução de desigualdades raciais e socioeconômicas.
Equidade racial na prática
Para Raquel Souza, esses e outros marcos a favor da equidade racial na educação básica promoveram mudanças positivas, mas “está muito aquém da magnitude de um projeto de escola que seja capaz de alterar relações sociais marcadas pelo racismo”, diz.
É notável que tais marcos não foram totalmente implementados nas salas de aula. Após 20 anos da Lei 10.639, que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira, ainda é baixa a sua aplicação nas redes municipais. Como mostra pesquisa do Instituto Alana e do Geledés – Instituto da Mulher Negra lançada em abril de 2023, quase 70% das escolas realizam atividades sobre relações etnico-raciais apenas durante a semana ou o mês da Consciência Negra.
O estudo aponta ainda que diversidade cultural foi o tema mais citado pelos gestores como sendo importante a ser trabalhado, enquanto temas estruturais como construções de privilégios históricos e letramento sobre questões raciais são colocados em segundo plano. “Ainda se escolhe refletir a educação para relações étnico-raciais sem que se pretenda rever a construção e manutenção de privilégio”, diz um trecho.
Raquel Souza considera que são necessários mecanismos que apoiem e incentivem as redes de ensino a de fato implementarem as normas de equidade racial. Nesse cenário, avalia que o pagamento do Vaar a escolas que reduzirem desigualdades raciais entre alunos pode se mostrar como um importante pontapé.
Ela cita também enfatiza a necessidade de formação de professores e gestores para uma educação antirracista. “A educação antirracista não acontece só na sala de aula, acontece no conjunto da escola”.
Conteúdo publicado originalmente no GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas