Caso Luis Navarro abre discussão sobre abandono paterno
Ator Luis Navarro rompe casamento com a dançarina Ivi Pizzott durante o puerpério e justifica que não está na sua melhor versão.
Por Beatriz de Oliveira
24|01|2023
Alterado em 24|01|2023
“Ser pai, marido, artista e ser um dos alicerces de uma família preta é para poucos, meu espírito sucumbiu”. Em postagem já apagada em rede social, o ator Luis Navarro explica porque decidiu romper o casamento com a dançarina Ivi Pizzott, após o nascimento da segunda filha do casal. Não ser a melhor versão de si mesmo e não se lembrar da última vez que leu um livro estão entre os motivos citados pelo ator para tomar a decisão. O caso reverberou discussões sobre como homens tratam a paternidade como escolha.
A cientista social Caroline Amanda comenta que Luis Navarro demonstra estar “desnutrido de si mesmo” e coloca as relações domésticas e o casamento como barreiras para seu bem estar. “Como se a família fosse um empecilho para a autoconexão”, afirma a criadora do Yoni das Pretas, projeto que promove atividades e vivências para o desenvolvimento integral, bem-estar e saúde de mulheres e pessoas que menstruam.
“Em busca de nutrições afetivas, ele rompe e deixa de ser um nutridor afetivo da sua companheira e das suas filhas”, explica Caroline. Em vídeo publicado no dia 23, o ator se desculpa pela postagem anterior e diz que não quer que ela sirva de argumento para que homens abandonem suas famílias.
A escolha de Luis Navarro em “dar um tempo no relacionamento” para reencontrar sua “essência”, ocorre no momento em que sua ex-companheira passa pelo puerpério, período após o parto em que a mulher passa por transformações físicas e oscilações emocionais até voltar ao seu organismo anterior à gravidez.
Há também um recorte racial: mesmo sendo uma pessoa preocupada com as questões raciais, o ator, homem negro, tomou a decisão de se afastar de uma mulher negra no puerpério. “A consciência racial deve ser um farol para tomadas de decisões como essa também”, aponta Caroline.
O que Ivi Pizzott está vivendo não é uma situação isolada, outras mulheres como a pesquisadora Nerie Bento relatam abandono de seus companheiros durante esse período. “Homens abandonam mulheres no puerpério. Quem defende o rapaz não sabe o que é puerpério, se soubesse, entenderia que aquilo é muito mais sobre essa fase do que sobre relacionamento”, disse no Twitter.
Eu fui abandonada por um homem branco no puerpério. Homens abandonam mulheres no puerpério.
Quem defende o rapaz não sabe o que é puerpério, se soubesse, entenderia que aquilo é muito mais sobre essa fase do que sobre relacionamento.— Olivia Pope da Quebrada (@neriebento) January 23, 2023
A cientista social Caroline Amanda conta que a maior parte do público que participa do seu projeto Yoni das Pretas são mulheres negras, e quando o assunto é paternidade, os relatos pessoais são de ausência. “Pais que abandonam a família, da completa ausência paterna ou pais que estiveram presentes mas nunca foram participativos”, relata. Por outro lado, também aponta que há depoimentos positivos, como o de mulheres com companheiros que buscam o exercício da paternidade consciente.
Segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil, nos sete primeiros meses de 2022 mais de 100 mil crianças foram registradas sem o nome do pai. O número de pais ausentes nas certidões tem crescido a cada ano, conforme aponta a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).
A discussão sobre o tema tem ainda um outro ponto: a facilidade com que alguns homens mudam de ideia do “sonho de ser pai” após o terem realizado. Saem de cena por não se disporem a lidar com as responsabilidades da paternidade. Se afastam da “função” por cansaço, por querer se “reconectar”, viver outras experiências, e vários outros motivos. Do outro lado, quem fica é a mãe.
“Tá difícil e eu não tive escolha”, relatou Ivi Pizzott em post sobre o fim do relacionamento. Em resumo, quem sente que tem o direito de sair, é o pai. A mãe não tem escolha.
Aqui a @depretas hablou mesmo!
Sempre desconfie desse papo de homem cujo o "sonho" é ser pai 💁♀️ pic.twitter.com/v5obcLBExV— Brenda Milito (@janeaustendepre) January 22, 2023
“Nenhum dos dois está bem, mas 1 deles saiu pela porta e 1 deles vai levantar, sacudir a poeira, tentar não ser engolida pelo puerpério pq precisa estar bem pra cuidar de duas meninas negras”, disse uma usuária no Twitter.
Nenhum dos dois estão bem, mas 1 deles saiu pela porta e 1 deles vai levantar, sacudir a poeira, tentar não ser engolida pelo puerpério pq precisa estar bem pra cuidar de duas meninas negras, sabendo o quão foda o mundo será com elas. Enquanto o outro não dou 3 meses pra https://t.co/NUP31u4GJV
— NatyMaionese (@NatalySodre) January 23, 2023
Por fim, Caroline Amanda traz seu relato pessoal que foge ao comum no tema paternidade. “Quando os meus pais se separaram, o meu pai optou em ficar comigo e com o meu irmão. Ele é filho de um homem alcoólatra, teve uma referência paterna distorcida, mas é um pai que sempre esteve presente e engajado”, diz. “Temos o movimento de pais pretos, homens cada vez mais engajados, precisamos mirar essas práticas contemporâneas para que possamos ter referências para ampliar o repertório coletivo”.
Veja outros tweets sobre a discussão de paternidade a partir do caso de Luis Navarro:
Uma mulher preta abandonada no puerpério e nenhum influenciador que gosta tanto de falar em masculinidade preta dá UM PIO sequer.
É esse o Tweet.
— Barbaridades (@BedeBarbara) January 22, 2023
Se leu meu livro, nada entendeu.
Escrevi sobre homens violentos, pais irresponsáveis, enrustidos, insensíveis, endurecidos pelo machismo.
Não escrevo para acalentar o homem. Escrevo para provocá-lo. https://t.co/lyxHMNx1a8
— VOLP 🏳️🌈 (@stefanovolp) January 23, 2023
O pai de uma bebê de 4 meses metendo o pé do casamento porque nem sabe a última vez que ficou sozinho pra refletir e ler um livro. 🫣
— Lola Ferreira ☀️ (@lolaferreira) January 21, 2023
Essa história do Luís Navarro comeu minha mente.
A covardia do cara de deixar a mulher com duas filhas no meio do puerpério. Covardia.
A paternidade não é uma opção. Não tem “liga e desliga”. Alguém vai ter que assumir o seu BO (no caso, a mãe) https://t.co/4zWP7aSgwx
— Thiago André (@ThiagoAndreh) January 22, 2023