A venda que cobre os olhos: o que esperar do Brasil no segundo turno?

Em sua coluna de estreia, a assistente social Jarda Araújo, faz uma reflexão sobre o segundo turno das eleições: "Ainda há tempo de mudar essa realidade e esse feito só será possível em conjunto!".

19|10|2022

- Alterado em 17|05|2024

Por Jarda Araújo

Elaborar raciocínios perante o resultado do primeiro turno das eleições dos presidenciáveis no Brasil tem sido um desafio intenso. Pensar nas motivações que levaram esse processo a um segundo turno é mais desafiador ainda.

Como conceber a ideia de que houve um rompimento no que parecia estar nítido aos nossos olhos, mulheres negras? Será que é possível virar esse jogo?

Que o Brasil é fruto de um câncer colonial nós já estamos cansadas de saber. Viver esse cotidiano desafiador é uma prova de fogo para nós e nossas irmãs. Ao levantar-se pela manhã até a volta para casa, os desafios não cessam. A experiência racializada no sul-global, num país como o Brasil, tende a localizar bem os corpos desse território. Pensamos que a dissidência nos permite criar estratégias de sobrevivência e para além de tudo, tende a abrir nossos olhos para as muitas mazelas que aqui existem, certo?

Ter noção disso faz parecer que para todo aquele que aqui vive, a experiência racializada em território brasileiro, nos torna politicamente conscientes. Na maioria das vezes, esquecemos que o câncer colonial ainda pulsa fortemente nas veias do país e tem como objetivo nos cegar. O pior de tudo é saber que em alguns casos, o feito colonial se concretiza.

Não acho justo atribuir aos nossos irmãos e irmãs, ainda vendados, a culpa pelo que hoje se concretiza no Brasil. Apesar da possibilidade de levarmos esse segundo turno, num processo político de disputa, ilustrado na candidatura – e torço para que seja eleito- de Luiz Inácio Lula da Silva, não podemos negar que todo esse processo escancarou o óbvio. A Pindorama saqueada e transformada em “Brasil”, ilustra como o fracasso estará sempre perseguindo essas terras.

Pelos motivos mais variados, justificados de forma incabível por aqueles que insistem no uso da venda que tapa os olhos, está difundida a ideia de certeza – que me entristece em redigir – de que o Brasil ao ser entregue, por mais quatro anos, nas mãos de quem está operando a atual gestão, será um Brasil de avanços.

As vezes me pego pensando: será que se isso, de fato, viesse a acontecer, a venda que cobre esses olhos seria retirada? Será que é bobo de minha parte achar que o óbvio será visível? Bom, apesar dos soltos e mais soltos pensamentos que perambulam minha cabeça eu tenho uma certeza, concreta e segura: não pagaria pra ver! Não quero, nem busco, mais um período de sucateamento de políticas públicas, institucionalização do racismo, fortalecimento da trans/travestifobia, aumento da fome e desigualdade, desrespeito religioso e avanço de conservadorismo.

Existem feridas que o Brasil carrega, abertas em sua doída e violenta história, escondidas nas manobras coloniais e atualmente materializadas na gestão de um governo fascista, que tenta a todo custo nos fazer pensar que não é possível construir um amanhã. A venda é colonial! Ela não permite que aprendamos com quem originou essa terra, com as altas tecnologias desenvolvidas por aquelas e aqueles que, de suas terras foram sequestrados e para cá, trazidos. A venda é colonial! E ela insiste em derrubar qualquer um/uma que contra ela se levante. De contrato assinado e sem qualquer vislumbre de futuro, ela impulsiona a morte.

Num contexto como este deixo aqui um grito de alerta, um compromisso que precisa ser tomado como urgente para que assim, consigamos trilhar nossos caminhos: nos atentemos! Ainda há tempo de mudar essa realidade e esse feito só será possível em conjunto! Numa terra saqueada, roubada pelos falsos senhores, quem trilha o futuro somos nós! A nossa história e o nosso futuro, quem faz somos nós! E é preciso lembrarmos e relembrarmos esse fato, pois só assim conseguiremos tomar as rédeas desse cenário.


Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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