protesto contra feminicídio

64% das vítimas de feminicídio são mulheres negras

Dados da 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam cenário alarmante para mulheres e crianças negras no país

Por Beatriz de Oliveira

24|07|2024

Alterado em 24|07|2024

Dados da 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam um cenário alarmante para mulheres e crianças negras no país. Apesar da queda de 3,4% nas mortes violentas no período de um ano, houve aumento nos índices de feminicídio e violência contra a mulher. Cerca de 64% das vítimas de feminicídio são mulheres negras. A pesquisa reitera que as mulheres estão inseguras tanto nas ruas quanto dentro de casa. 

O levantamento destaca ainda que as crianças e adolescentes negros são as maiores vítimas das mortes violentas intencionais em suas faixas etárias e que as intervenções policiais tem grande responsabilidade nessas estatísticas.

Lançado nesta quinta-feira (18) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estudo se baseia em informações fornecidas pelas secretarias de segurança pública estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública.

A maioria dos feminicídios acontecem dentro de casa 

Em 2023, 1.467 mulheres foram vítimas de feminicídio. Esse é o maior número já registrado desde que a Lei nº 13.104, de 2015, incluiu o feminicídio no rol de crimes hediondos. Entre as vítimas, 63,6% foram mulheres negras e 35,8% brancas.

O feminicídio é um crime de ódio ao gênero e, de acordo com a legislação brasileira, que o tipificou em 2015, está configurado quando uma mulher é morta em contexto de violência doméstica e/ou e por menosprezo ou discriminação à condição de mulher

Além disso, 49,6% dos feminicídios aconteceram com armas brancas (como facas, canivetes, tesouras e outros objetos cortantes, perfurantes ou contundentes utilizados como arma). Em 64,3% dos casos, o cenário do crime é a própria moradia.

Considerando todas as mortes violentas de mulheres de forma conjunta, 41,4% acontecem em casa e 40,1% acontecem na rua.

“Existir enquanto mulher é perigoso e parece não haver ambiente seguro para nós. Temos reiteradamente chamado a atenção, neste e em Anuários passados, sobre a casa ser um local inseguro para a mulher. Infelizmente, as ruas também são. Enfrentar o feminicídio exige pensar políticas para dentro e fora das paredes do lar.”, diz o relatório.

As taxas nacionais de violência contra mulher se diferenciam ao olhar individualmente para os estados. O Pará enfrenta uma das situações mais graves, com alta de 40,9% das tentativas de homicídio e 55,1% das tentativas de feminicídio. Em Roraima, os registros de feminicídio aumentaram 80% em um ano.

Três estados apresentaram melhoras mais significativas das taxas de tentativas de feminicídio em comparação com 2022: Piauí (diminuição de 35,9%); Mato Grosso (26,8%) e Minas Gerais (13,4%).

1 estupro a cada 6 minutos 

O ano de 2023 também foi marcado por um novo recorde de estupros e estupros de vulneráveis consumados: 83.988 vítimas. Isso significa um crime de estupro a cada seis minutos.

As vítimas são, em sua maioria meninas (88,2%), negras (52,2%), de no máximo 13 anos (61,6%). Os estupradores são familiares ou conhecidos (84,7%) e o crime ocorre dentro de suas próprias residências (61,7%).

“Crianças que, além de vivenciarem os traumas do abuso sexual, muitas vezes precisam lidar com a gravidez decorrente de uma violência que mal compreendem”, pontua o relatório.

Mais uma informação devastadora trazida pela pesquisa é que “taxa de vitimização por estupro de bebês e crianças de 0 a 4 anos, que chegou a 68,7 casos por 100 mil habitantes neste grupo etário. Este dado revela que a taxa de estupros entre os 0 e 4 anos é mais do que 1,6 vezes superior à média nacional, de 41,4 casos por 100 mil habitantes”.

Violência contra crianças e adolescentes

Para avaliar a violência contra crianças e adolescentes, o anuário coletou dados de abandono, violência física, violência sexual e mortes violentas intencionais contra pessoas entre 0 e 17 anos no Brasil. 

De modo geral, houve crescimento de cerca de 30% em todos os crimes não letais contra crianças e adolescentes no Brasil de 2022 para 2023, com exceção de lesão corporal em violência doméstica, que teve uma ligeira redução.

No caso de violência física, a faixa etária de 5 a 9 anos constitui 35,7% das vítimas. “Isso pode estar relacionado à maior interação social e escolar, onde casos de maus-tratos podem ser mais identificados e denunciados”, diz a pesquisa. Na grande maioria dos casos, os agressores estão na própria residência das vítimas.

Outro dado revela que a intervenção policial é a causa de cerca de uma a cada sete mortes violentas intencionais de adolescentes no país. A maior parte das vítimas são negras. “Estamos diante de um cenário que exibe com crueza a desumanização que o racismo produz. Das ruínas de Gaza ao Complexo da Maré, é conhecido o perfil das vidas que são preteridas e que parecem não estar à altura de gerar comoção para que esse triste quadro se reverta”, afirmam os pesquisadores.