“Sorvete de pistache”: crônica sobre (des)encontros

Eu queria te encontrar daqui uns anos. Eu queria te encontrar daqui uns anos, eu vestida de madame e você me pedindo pão, eu queria, daqui uns anos, chegar perto de você e sentir um cheiro ruim na sua roupa mal passada enquanto você elogiasse meu perfume. Eu queria te encontrar daqui uns anos, você […]

Por Redação

28|07|2017

Alterado em 28|07|2017

Eu queria te encontrar daqui uns anos. Eu queria te encontrar daqui uns anos, eu vestida de madame e você me pedindo pão, eu queria, daqui uns anos, chegar perto de você e sentir um cheiro ruim na sua roupa mal passada enquanto você elogiasse meu perfume.
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Eu queria te encontrar daqui uns anos, você sozinho e eu com um rapaz bonito, 15, não, 20 anos mais novo que eu, daqueles de dar inveja, daqueles que o dinheiro sustenta, porque eu quero ver você daqui uns anos e poder comprar tudo o que é feito pra vender.
Mas eu quero ver você daqui uns anos e eu ser feliz, feliz correndo na praia, sorrindo sem motivo, aceitando meu corpo, meus defeitos, minhas origens, aceitando o que vem de bom, o que vem de ruim, aceitando.
Quero ver você daqui uns anos e te encontrar na sarjeta, infeliz, sujo e coitado, desgraçado e fudido.
Eu quero ver você daqui uns anos e voar enquanto você está a pé, no maior trânsito da sua vida.
Mas eu quero ver você.
Quero ver você daqui uns anos, você vazio e eu cheia de planos, eu quero cuspir na sua cara, te olhar com indiferença, amaldiçoar os dias de sua existência, te pisar, te chutar, maltratar, fazer você sentir meu gozo enquanto você não sente nada.
Eu quero ver você daqui uns anos, porque quando eu te encontrar daqui a pouco, sei que vai me dar um soco, reclamar do cheiro de mofo das minhas mãos ardidas, vai me implantar tantas outras feridas, me gozar e dizer que se deitou com perdidas, vai desejar que ninguém no mundo me ame, passar na minha cara que sou escrava de madame, que eu preciso tomar banho de cloro e é por isso, meu amor, que eu oro, para que depois de tantos desenganos, eu possa ver você daqui uns anos…

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A educadora Viviana Martins/ crédito: arquivo pessoal


Viviana Martins, 28 anos, é educadora, psicóloga, sonhadora, filha de pai faxineiro e mãe diarista (aqui deu tudo certo, são os mais gênios do mundo), moradora no Jardim Vaz de Lima, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo.
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