Por que o PL das Fake News é importante para as mulheres e crianças?

O PL das Fake News busca responsabilizar as grandes plataformas em termos de transparência, prevenção de abusos e garantia de liberdades. Entenda como pode proteger mulheres e crianças

Por Redação

03|05|2023

Alterado em 03|05|2023

Hoje é o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Criada pela Unesco há 20 anos para reforçar a importância da imprensa para o pleno exercício da atividade. A data não é apenas celebrativa. É um dia para denunciar atos de censura à atividade jornalística, violência contra comunicadoras e comunicadoras em todo o mundo e honrar a memórias daqueles que morreram enquanto trabalhavam. Se sem uma imprensa diversa e livre, não há democracia plena, podemos dizer mais: sem uma imprensa plural, e que inclua vozes historicamente abafadas, jamais teremos a democracia que tanto almejamos.

O Atlas da Notícia (2022), mostra que cerca de 50% das cidades brasileiras não possuem uma organização jornalística, portanto, podem ser lidas como desertos de notícias – não têm pelo menos uma organização jornalística local. “Pesquisas comprovam que a ausência de um ecossistema de informação local contribui para a manutenção de currais eleitorais, corrupção do poder público e diminui o acesso a direitos básicos, além de desincentivar a participação do cidadão nas instâncias da política próximas do seu cotidiano”, nos recordam Iza Moi e Nina Ramos em artigo publicado recentemente no Nexo Jornal.

O PL 2330/2020

E falar sobre isso no Brasil de 2023 é falar diretamente sobre o Projeto de Lei – PL 2630/2020, a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Mais conhecido como “PL das Fake News”, o projeto tramita nesta semana na Câmara dos Deputados de forma urgente. O PL, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), e relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), aguarda a votação dos deputados desde junho de 2020, quando foi aprovado pelo Senado. Ontem (2/5) mais uma vez foi adiado, aguardando mais considerações de parlamentares.

O Projeto de Lei 2630 prevê a transparência das redes sociais e dos serviços de mensagens privadas e a responsabilização das grandes corporações de tecnologia (Big Techs) no combate à desinformação e notícias falsas (fake news). Além de ampliar a transparência dos conteúdos patrocinados, a atuação do poder público, e propôr a remuneração de conteúdo produzido nessas plataformas. As regras do PL irão se aplicar a plataformas com mais de 10 milhões de usuários por mês. Exemplo disso são as redes sociais, como Facebook, Instagram, Tik Tok; plataformas de busca, como o Google; e também serviços de mensageria instantânea, como WhatsApp e Telegram.

E o que esse projeto tem a ver com as mulheres negras e periféricas e as crianças?

Como bem dito por nossas parceiras da Revista AzMina: “regulação das plataformas digitais e combate à desinformação também são questões de gênero”. Segundo a Coalizão Direitos na Rede, O PL irá criar “obrigações a essas empresas de ações gerais para atacar problemas amplos (chamados riscos sistêmicos) e a possibilidade de demandar ações específicas para combater conteúdos ilegais quando houver riscos iminentes à população”.

O último texto do PL diz, em seu Art. 11º “Os provedores devem atuar diligentemente para prevenir e mitigar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços, envidando esforços para aprimorar o combate à disseminação de conteúdos ilegais gerados por terceiros, que possam configurar: IV – crimes contra crianças e adolescentes (…), V – crime de racismo e VI – violência contra a mulher”.

Ou seja, tudo que Nós, mulheres da periferia, defendemos e também falamos sobre. A internet deve ser um espaço democrático, onde as diversas vozes podem existir. Vimos nos últimos anos o abundante crescimento de canais e perfis de mulheres negras que os utilizam para refletir e opinar sobre nosso cotidiano e história. Mas nós não estamos seguras no espaço cibernético. Só nos quatro meses de 2023, a Plataforma ‘Violência de Gênero Jornalismo’ já registrou 20 ataques, sendo a maioria deles considerados ataques de gênero.

“Entre eles, 64.4% são ataques à reputação e à moral, usando a aparência, a sexualidade ou traços sexistas de personalidade para agredir. As demais situações envolvem agressões físicas e censura na internet. Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, em 2022, jornalistas sofreram um ataque por segundo durante o período eleitoral, sendo 86% destinados a mulheres. Só em setembro de 2022, os ataques contra as mulheres jornalistas chegaram a crescer 250%, segundo dados colhidos pela Abraji.

Trocando em miúdos

Uma vez que os fluxos de comunicação em todo o mundo são mediados por grandes corporações de tecnologia – chamadas de “big techs”, como Alphabet (Google), Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp –, é importante que essas gigantes do setor também sigam regras em território nacional, a fim de evitar a disseminação de notícias falsas e de garantir a liberdade de expressão de qualquer usuário(a) de sua plataforma.

Como vai funcionar

“Com o objetivo de proteger a liberdade de expressão e o acesso à informação e fomentar o livre fluxo de ideias na internet”, as plataformas de redes sociais e também aplicativos de mensagens privadas (com mais de 10 milhões de usuários), como WhatsApp e Telegram, deverão adotar medidas como: vedar contas inautênticas ou automatizadas; identificação de contas incompatíveis com a capacidade humana de produção de conteúdo; políticas de uso que limitem o número de contas controladas pelo mesmo usuário; limitar o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem a usuários ou grupos, bem como o número máximo de membros por grupo

Regulação não é censura

Antes de tudo, é importante dizer que regulação não é o mesmo que censura. Regular significa criar regras e regras são importantes para entendermos como seguir dentro de um determinado espaço – no caso, a internet. Em uma “terra sem lei nem regra”, a possibilidade do crescimento dos discursos de ódio e da disseminação das notícias falsas (famosas “fake news”) são ainda maiores. O PL aponta as vedações e condicionantes previstos nesta Lei não implicarão restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à livre expressão e à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural, nos termos dos arts. 5º e 220 da Constituição Federal. Segundo a Coalizão Direitos na Rede, “no nível individual, ele dá maior poder ao usuário, que passará a ter garantido informação e meios de recorrer em caso de remoção de conteúdo. A lei cria procedimentos que limitam o poder das plataformas na criação e aplicação de suas regras, os chamados termos de uso”. A regulação já é uma realidade na Alemanha, França e Austrália e o PL 2630 também se inspirou na Lei de Serviços Digitais (DSA) aprovada pela União Europeia.

Como ficam os impulsionamentos e anúncios?


No artigo 26º, do Capítulo 5º, o PL diz: “Os provedores que ofereçam publicidade de plataforma devem identificá-la, de modo que o usuário responsável pelo impulsionamento ou o anunciante sejam identificados (…) por meio de apresentação de documento válido no território nacional, de todos os anunciantes de publicidade de plataforma. (…) A identificação do contratante de publicidade da plataforma deve ser mantida em sigilo pelos provedores”.

E o pagamento de conteúdo jornalístico?

O PL prevê que empresas jornalísticas sejam remuneradas por plataformas por conteúdos jornalísticos. Porém, ainda não houve um detalhamento de como isso será realizado, gerando críticas principalmente de veículos independentes, de pequeno e médio porte, que temem que essa remuneração não os inclua. A Ajor (Associação de Jornalismo Digital), a qual o Nós é um dos membros fundadores, entende a importância e urgência da aprovação do Projeto de Lei, mas também reivindica a discussão de uma política de fomento ao jornalismo digital. “As mais de 100 associadas da Ajor de todas as regiões do país, fortalecem a cidadania e a democracia brasileiras e contribuem para superar a histórica concentração da mídia num país diverso e continental. Suas particularidades reforçam a necessidade de uma política pública efetiva de garantia à sustentabilidade do jornalismo digital. Por isso, a Ajor defende a criação de uma política pública transparente e com governança adequada de apoio ao desenvolvimento do jornalismo a partir de receitas provenientes de taxação das plataformas digitais”.

A lei pode proteger as crianças?

São cerca de 22,3 milhões de crianças e adolescentes que usam internet no Brasil. Sem proteção, eles estão expostos a : exploração de seus dados pessoais, violência sem restrições, conteúdo ligados a terrorismo, mentir. O que o PL 2630 cobra é maior transparência das plataformas digitais sobre seus termos e condições; fim de publicidades que usam dados pessoais das crianças e famílias; combater as mentiras e violência on-line; proteger os direitos das crianças e adolescentes.

As redes deverão garantir maior privacidade, proteção de dados e segurança para crianças; verificação de idade, controle parental, notificação de abusos; responsabilização das plataformas por conteúdos com violência e exploração envolvendo crianças e adolescentes; educação midiática – ensinar às crianças pensamento crítico para analisar e produzir conteúdos na internet; proibir o uso de informações pessoais de crianças e adolescentes para direcionar publicidade a eles.