“Pelo direito de ter cachos”, por Cíntia Gomes
Nasci pretinha e mesmo assim na minha certidão de nascimento estou como parda. Ganhei um apelido na família e até hoje a maioria me chama assim: é Preta pra lá, é Preta pra cá e meu nome mesmo passou a ser mais usado na escola. Mas isso nunca foi um problema, nunca foi pejorativo e […]
Por Cíntia Gomes
28|07|2014
Alterado em 28|07|2014
Cíntia com 6 meses
Créditos: arquivo pessoal
Nasci pretinha e mesmo assim na minha certidão de nascimento estou como parda. Ganhei um apelido na família e até hoje a maioria me chama assim: é Preta pra lá, é Preta pra cá e meu nome mesmo passou a ser mais usado na escola. Mas isso nunca foi um problema, nunca foi pejorativo e ser chamada de Preta ou Pretinha além de um apelido, para mim é um tratamento carinhoso. Com o tempo fui mudando e ficando uma “preta desbotada” como minha vozinha até hoje fala, mas o apelido continuou e um dos traços que talvez mais me aproxime da negritude até hoje, seja as minhas madeixas.
Meu cabelo, deixar do jeito que queria esse isso sim foi uma guerra aceitar, e muitas histórias surgiram no decorrer desse processo. Sempre gostei de cabelo longo e para cuidar não era nada fácil, aos cinco anos como toda criança peguei piolho e para me livrar deles naquela cabeleira toda era só cortando. Me lembro disso tão bem, cortaram ele bem curtinho, foi tão triste pra mim, chorei tanto, não queria, mas não teve jeito.
Ele cresceu e sempre tentaram me convencer de alisá-lo, mas isso era um problema pra mim, porque eu gostava dos cachos, apenas queria diminuir o volume, usar solto sem pensar que ele estaria armado. Então alisar não era a solução. Até que um dia me apresentaram um tal de relaxamento. “Olha você vai continuar com os cachos, o que vai acontecer é que eles vão ficar mais soltos e sem volume”. Mas química é algo perigoso e eu como uma alérgica a várias coisas, com o relaxamento não foi diferente. O couro cabeludo ficou machucado, tive dor de cabeça, e vi que essa saída não era boa.
Na adolescência, ganhei outro apelido, me chamavam de “Biba”, por causa da menina do Castelo Rá-Tim-Bum, diziam que parecia com ela, no rosto, na maneira de prender o cabelo, e ainda a atriz tinha o mesmo nome que o meu. Nesse período as vezes assistia programas da tarde, que davam dicas de como deixar o cabelo bonito. Já usei babosa, abacate e várias outras coisas que hidratavam o cabelo.
As cacheadas: Jéssica, Cíntia e Lívia.
Créditos: Anderson Menezes
Depois conheci uma cabeleireira que me acompanhou durante anos. Ela disse que com a parte que tinha química não tinha muito o que fazer e tive que cortar. Foi a primeira vez me rendi a uma escova para poder prender meu cabelo, pois com escova ou sem eu não deixaria ele solto de jeito nenhum. Mas escova é muito ruim, puxa o cabelo, queima, e eu sinceramente não tenho paciência de fazer isso sempre, então ela sugeriu fazer um relaxamento mais leve apenas para que ele ficasse maior e minha frustação não fosse tão grande. Eu topei e durante muitos anos, todo sábado ia nela fazer hidratação, ele tinha brilho e ficava do jeito que sempre quis. O engraçado que toda semana tinha a mulherada que fazia escova e não se conformavam que eu queria continuar com os cachos e ia lá só pra hidratar. “Nossa, mas esse cabelão ia ficar tão bonito liso”, e eu dizia, “não eu gosto dele assim, cacheado”.
Até que um dia ela parou de exercer a profissão e conheci um salão que dizia ser especialista em cabelo cacheado, mas me enganei lá também usavam um processo químico para dar uma diminuída no volume. A partir daí iniciou minha busca por lugares que realmente cuidassem e entendessem como precisa ser tratado um cabelo cacheado. Fiquei três anos sem química, ele estava enorme, só que mais da metade dele tinha relaxamento. Em todo lugar que ia, escutava assim: “Nossa seu cabelo vai ficar lindo com uma progressiva” e eu dizia, “não quero alisar meu cabelo, não quero usar química, apenas quero cuidar dos cachos”.
Se fiz cinco escovas na minha vida foi muito, essa cabeleira toda precisa de um braço forte e muita paciência, pois menos de 3 horas não fica liso, e ainda mais ficar escrava de química e escova, ah isso eu não queria mesmo. Decidida a ficar sem química, eu não me rendi a progressiva, desencanei e continuei eu mesma a hidratar, conheci uma linha de produtos para cachos e sem ter que usar aquelas químicas tenebrosas percebi que estava me libertando daquela busca por um cabelo que não era o meu.
Então uma amiga indicou um salão que só usava esses produtos, fui lá e mais uma vez tive que assumir o cabelo natural e cortar tudo que estava com química. Topei, curti, mas ainda não me acostumei com ele curtinho, mas estou mais próxima de tê-lo como sempre quis, e em breve terei cachos longos, hidratados, definidos e naturais. Por enquanto só não estão longos, o restante já consegui.
Após isso as pessoas viam e falavam nossa como seu cabelo está bonito o que você fez, até meu pai disse: “Ué, seu cabelo está tão cacheado?” E eu apenas respondi, “bom esse é o meu cabelo”.
Cíntia é jornalista e moradora da zona sul de São Paulo
Créditos: arquivo pessoal
E meio a isso tudo, agora só sei de uma coisa, ele é crespo, é cacheado, é volumoso, é cabelo até dizer chega e sempre brinco se cair não faz falta. E apesar de ainda não usar solto sempre e ter a impressão de que a qualquer momento vai ficar armado, tem dia que está lindo do jeito que gosto e tem dia que nem ligo se está bagunçado. Só sei que sou cacheada e cada dia gosto mais dele assim.
Compartilhe nas redes:
VEJA OUTROS