‘Visibilidade para pessoas trans e não-binárias: reafirmar que a gente existe’
Conheça Luana Nascimento, integrante da Coletiva Travas da Zona Sul, que atua em saraus e festas.
Por Redação
11|10|2019
Alterado em 11|10|2019
Luana Marcos Uchôa Nascimento, 28 anos e mora no bairro Cantinho do Céu, no extremo sul do Grajaú, desde 1997. Seu relato faz parte do especial “Ser LGBT+ na periferia”. Clique aqui para ler o conteúdo completo.
Sou artista plástico, produtor cultural, também faço costura e várias outras coisas. Posso dizer que se assumir uma pessoa trans é uma coisa muito complicada por causa do estereótipo social. Até mesmo para se tornar trans, tem um estereótipo social do que seria uma pessoa trans. Eu me considero uma pessoa trans não-binária (pessoas que não se percebem como pertencentes a um gênero exclusivamente), então ainda tenho essa complexidade maior das pessoas não entenderem o que isso significa.
Com os meus familiares [a relação] tem sido até que de boa. Vou conversando com eles aos poucos, mostrando algumas coisas e, assim, vão entendendo. Mas com algumas pessoas eu não tenho porque me importar com a opinião, se não a gente não vive.
Quanto ao meu bairro, é um pouco complicado. Já sofri algumas agressões verbais e até algumas agressões físicas, mas nada que tenha me feito retroceder. Também fui muito acolhida pelos meus amigos e alguns vizinhos que me viram crescer, então tem sido uma coisa que vou construindo aos poucos. Eles não influenciam tanto assim na minha transição, nem eles e nem outras pessoas. Estou vivendo e vou procurando novas formas de existência, me permitindo conhecer e vendo o que o meu corpo e minha cabeça me permitem.
Foto: Arquivo pessoal
©arquivo pessoal
Eu acredito que a temática LGBT tem tido um grande avanço nos territórios periféricos. Estamos agora inseridos em vários espaços, ainda mais em relação à cultura, artes, artes plásticas. Ainda existem muitos desafios, mas é mesmo complicado trabalhar uma sociedade heteronormativa que vem sendo estimulada desde sempre para seguir assim. Mas, com o tempo, vai ficando mais fácil de lidar com eles e eles com a gente.
Comecei a me preocupar com os LGBT’s que estão mais dentro da periferia entre 2012 e 2013. Foi nessa época que eu e alguns amigos montamos o Coletivo Transação. Fizemos algumas atividades e um documentário que se chama “Fábrica de Bonecas: estéticas da precariedade”, produzido dentro desse contexto do que significa ser LGBTQI+ dentro da periferia e sobre quais são os espaços que temos de lazer e socialização.
Já a Coletiva Travas da Sul, uma amiga, a Márcia Marci, me convidou para participar do projeto em março de 2019, quando fizemos um primeiro sarau. E como eu não estava mais fazendo nenhuma ação com o Coletivo Transação e ainda sinto essa necessidade de espaços para pessoas LGBTQI+ dentro da periferia, topei. A coletiva atua com eventos, saraus e algumas festas, mas aqui mesmo na periferia da zona sul.
A gente quer dar visibilidade para pessoas e artistas Trans, não-binárias, LGBT’s e reafirmar que a gente existe, que estamos aqui desde sempre e que estamos ocupando mais espaços.
Falamos sobre as questões de sexualidade, gênero, mas também sobre outras questões que envolvem todo o território.
Eu diria para uma pessoa trans que está querendo se assumir que é um passo complicado, mas necessário. Porque se você já se vê dessa forma, trans, e não se assume como tal, você está matando o seu eu. E quem vai contra o seu eu não vai ser feliz, ter realização pessoal e nem social. Então eu diria pra ela se assumir mesmo. É difícil, mas temos o direito de viver a nossa vida, né?
O cuidado que eu tomo no meu dia a dia é de não me expor muito em locais em que vou encontrar pessoas homofóbicas, preconceituosas.
E para me curar das coisas que ainda me machucam, eu converso sobre. Converso sobre as coisas que passaram, sobre os traumas que eu tive e vou jogando isso pra fora. Acho que conversar sobre as coisas é importante pra desabafar. E se precisar chorar, a gente chora também. Ninguém é de ferro. Estamos no mundo e sujeitos a sentir as dores e os amores. Então o “como” a gente lida com essas emoções é muito importante. E quem nos acolhe? Eu tenho muitos amigos, mas a ideia da Coletiva também é essa, né? De estar junto com as pessoas e de poder ouvi-las.
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