“Saúde mental não se faz só no consultório psicológico”
Ana Carolina Barros, coordenadora da Casa de Marias, localizada na zona leste de São Paulo, acredita que espaços terapêuticos precisam ser mais acolhedores.
Por Lívia Lima
09|10|2020
Alterado em 09|10|2020
No início de 2020 um grupo de psicólogas inaugurou um espaço para atendimentos clínicos na Vila Esperança, na zona leste de São Paulo, com uma proposta de receber pacientes – especialmente mulheres – e interessados em saúde mental e bem-estar. A Casa de Marias, projeto idealizado por Ana Carolina Barros desde o fim da sua graduação, em 2012, havia, enfim, se tornado realidade.
Porém, diante da pandemia do Coronavírus, e da necessidade de isolamento social, Ana Carolina e toda a equipe tiveram que se adaptar. Atualmente, a organização tem realizado apenas ações virtuais, mantendo o espaço fechado à espera que as condições para os acompanhamentos presenciais possam ser retomados.
“A Casa de Marias é uma proposta de lugar para uma prática psicológica mais afinada à realidade e cotidiano da classe trabalhadora. Olhar para a saúde da mulher é um posicionamento político. As mulheres são o centro das famílias, o eixo. Estruturam financeiramente, afetivamente. O atendimento a essas mulheres vai se desdobrar em um cuidado para toda a família”, explica.
Para colocar em prática o projeto, Ana Carolina, psicóloga formada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); especialista em Psicanálise com Crianças pelo Instituto SEDES Sapientiae; mestre pela Universidade de São Paulo e doutora pela Universidade de São Paulo e pela Université Paris VIII-Vincennes-Saint-Denis (França), junto com outras profissionais, conceberam a Casa de Marias como um espaço confortável e acolhedor.
“A gente teve todo afeto, cuidado para decorá-la. Tem cara de casa. A gente queria fugir de uma estética de clínica, do espaço de saúde mental com suposta neutralidade, uma estética que não nos representa. A gente queria aproximar mesmo a comunidade para ocupar o espaço, diferente do que acontece em um ambiente agressivo, as pessoas não se imaginam buscando um processo por causa dessa distância”.
Sala de Estar da Casa de Marias
©Divulgação
Ana Carolina acredita que, infelizmente, ainda há um estigma de que os processos terapêuticos são apenas para pessoas ricas, ou que não são priorizados, mas que está acontecendo um movimento maior de pessoas que se preocupam com a saúde mental.
“Se eu tenho diabetes, pressão alta, então tenho que cuidar. Se eu tenho uma questão psíquica, eu tenho que cuidar também.
Há um estigma até hoje, mesmo depois da luta antimanicomial, mas autocuidado, saúde mental é hoje uma coisa mais próxima, mais parte do dia a dia. As pessoas querem falar sobre cuidado, afetividade, estado emocional, estão cada vez mais interessadas. Se nosso estado emocional está abalado, quando não estamos equilibrados, tudo fica mais difícil, mais complicado se não estamos bem”.
A psicóloga, que é também uma das fundadoras do projeto “Roda Terapêutica das Pretas”, alerta, porém, que é necessário considerar as questões sociais e econômicas que envolvem a saúde mental, sobretudo da população negra e periférica.
“Quando a gente fala de quadros psíquicos de depressão, crise de ansiedade, transtorno de pânico para medicar, parece que não chega no X da questão, é muito mais complexo. Não é só uma patologia a ser diagnosticada e medicada.
Por que essa pessoa ta ficando ansiosa? De onde vem, o que está acontecendo? Por que as pessoas estão mais deprimidas, mais exaustas, esgotada? Tem uma reflexão sociopolítica, econômica, que temos que fazer junto com as questões psíquicas”.
Ana Carolina afirma que é necessário entender as questões da população negra de forma coletiva, para além das subjetividades e individualidades. “Saúde mental tem que ser vista de forma mais ampla. Saúde tem a ver com você se alimentar de forma digna, ter um alimento na mesa que não seja cheio de agrotóxico; ter equipamentos de lazer no seu bairro, que te possibilitem conviver com seus vizinhos; que as crianças possam brincar na rua com segurança…”, pondera.
Como coordenadora-geral da Casa de Marias, que tem propostas de atividades com custos para os beneficiários, desde atendimentos individuais com psicoterapeutas, até cursos e oficinas voltados para estudos e arte-terapia, Ana Carolina indica que, mesmo sem recursos, é possível buscar serviços gratuitos para o cuidado da saúde mental, por meio dos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), por exemplo, além de outras práticas.
“Saúde mental não é algo que a gente promove dentro de um consultório, nas quatro paredes de uma clínica ou por um profissional de psicologia. Existem práticas do dia a dia que são particulares. O que funciona pra uma pessoa pode não funcionar com outra. Lidar com jardinagem, com plantas, pode fazer esvaziar a mente, organizar os pensamentos. Às vezes tomar um chá de camomila vai te ajudar se acalmar, relaxar. Às vezes ler um livro te desconecta um pouco. Buscar sua rede de apoio, procurar não ficar sozinho, estar com amigos, familiares. Se você gosta de música, literatura, poesia, não importa, o importante é não perder completamente aquilo que gosta pelas demandas da vida, não se perder de você”, conclui.
A psicóloga Ana Carolina Barros, coordenadora da Casa de Marias, na zona leste de São Paulo.
©Arquivo pessoal
Agenda:
Neste sábado, 10 de outubro – Dia Mundial da Saúde Mental, o Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo realiza uma live para discutir o assunto partindo de um debate despatologizante e anti-manicomial. O bate-papo terá a participação da presidenta da Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi) Shirlene Queiroz, Iris Ismaniotto, do Instituto Redes, e do psicólogo especialista em saúde pública Moacir Miniussi. A moderação será da Secretária de Finanças do SinPsi e medidora de conflitos Estela Franzin. A live terá início as 15h30 a será transmitida nas redes sociais do SinPsi.
Este conteúdo faz parte do Quebrada Comunica, projeto de fortalecimento do campo da comunicação periférica da cidade de São Paulo idealizado pela Rede Jornalistas das Periferias em parceria com o Instituto de Referência Negra Peregum, Uneafro Brasil e o Fórum de Comunicação e Territórios