Na Boca do Povo: a luta dos indígenas contra o PL 490 e a queda do ministro Salles

O projeto de lei é uma afronta aos povos tradicionais e sua tramitação ocorre em meio a uma série de retrocessos no Brasil, e da queda do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.

Por Jéssica Moreira

25|06|2021

Alterado em 25|06|2021

Sexta-feira é dia de Na Boca do Povo, uma curadoria dos acontecimentos mais importantes no Brasil e no mundo. Aqui você acessa não só o fato, mas uma interpretação de como cada assunto impacta o seu dia a dia. Muita coisa acontece diariamente, e o Nós te ajuda a focar no que realmente importa.

O que você precisa saber? Se tem uma imagem que marcou esta semana, essa imagem com certeza é a de mulheres indígenas entregando flores para a Polícia Militar de Brasília um dia depois de entorno de 700 indígenas serem atacados por balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo em frente à Câmara dos Deputados enquanto manifestavam contra o Projeto de Lei (PL) 490. “Somos um movimento de cura para uma sociedade doente”, apontou a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), em referência ao ato.

Os indígenas estavam manifestando contra a tramitação do Projeto de Lei 490/2007 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Aprovado por 40 votos a favor e 21 contra na CCJ no dia 23 de junho, e agora segue para votação no plenário da Câmara. Se aprovado, segue para o Senado e, depois, para sanção presidencial. O projeto é de autoria do deputado Homero Pereira (PR/MT) e pode alterar a Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que inclusive dispõe sobre o Estatuto do Índio.

No mesmo dia da votação, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu demissão e, em seu lugar, foi nomeado Joaquim Álvaro Pereira Leite. Embora alguns movimentos tenham celebrado a saída de Salles, autor da frase “vamos passar a boiada”, o novo ministro não traz esperança de melhorias no que diz respeito às políticas ambientais.

Em que contexto isso acontece: O projeto de lei é uma afronta aos povos tradicionais brasileiros e sua tramitação ocorre em meio a uma série de retrocessos no Brasil, principalmente em meio à pandemia. O artigo 67 da Constituição Federal de 1988 aponta que dentro de cinco anos a União deveria demarcar todas as terras indígenas. Ou seja, em 1993 já era para isso ter acontecido, mas não ocorreu, diversos são os ataques aos territórios. Há duas semanas, garimpeiros invadiram as terras de indígenas Yanomami em Roraima, com bombas de gás e mataram animais locais.

Como isso atinge você: Se aprovado, o PL 490 pode abrir territórios indígenas para a exploração econômica e ainda dar brechas para a retomada de terras indígenas em caso de alterações de “traços culturais da comunidade”. Como disse Sônia Ara Mirim, uma das lideranças das terras indígenas do Jaraguá em entrevista ao Nós, “todo o Brasil é terra indígena”, e essa discussão em torno das demarcações nem deveria ocorrer,  já que quando o Brasil foi invadido, em 1500, os diversos povos indígenas já estavam aqui. Segundo a indígena Katumirim, “a demarcação de terras indígenas não beneficia apenas os indígenas, que conseguirão preservar sua cultura e identidade, mas também a preservação da natureza”. Sem natureza de pé, não sobra nada. Ela explica que os indígenas são responsáveis por supervisionar grande parte da biodiversidade do mundo. 

Ato dos povos indígenas Guarani Mbya do Jaraguá, SP, contra o PL 490. Crédito: Jéssica Moreira

A mudança de cadeiras no Ministério do Meio Ambiente  não altera em nada os problemas ambientais, pois quem dá o tom é o governo de Jair Bolsonaro (sem partido). O Observatório do Clima mostra em nota que o desmatamento e queimadas da Amazônia continuam em alta, grande parte do Pantanal foi queimado. Como mostramos no podcast “Racismo Ambiental”, com Gabriela Trindade, as queimadas no Pantanal ou desmatamento na Amazônia atingem diretamente as nossas vidas nas periferias, pois interferem no fluxo dos rios e chuvas, alterando todo o clima, favorecendo enchentes e alagamentos, por exemplo.

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