Mulheres autistas relatam vivência da maternidade
Ouvimos três mulheres autistas que são mães de crianças também diagnosticadas com autismo
Por Beatriz de Oliveira
29|05|2024
Alterado em 29|05|2024
Maternidade atípica é aquela em que mães criam filhos com deficiência ou síndromes raras. É bem possível que você já tenha visto um relato sobre esse tema pelas redes sociais. Mas e quando a mulher atípica se torna mãe? Para esta reportagem, ouvimos três mulheres autistas que são mães de crianças também diagnosticadas com autismo.
O autismo, ou transtorno do espectro autista (TEA), é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades
“É desafiador receber um diagnóstico tardio”
Graziele Carvalho tem 45 anos, é autista, mãe solo do Gabriel, 26, e do Miguel, 15. O filho mais novo tem autismo e síndrome de Tourette.
Como autista, eu tive muita dificuldade na gestação. Eu tenho dificuldade sensoriais, e tive dificuldade de sentir a minha barriga crescendo. É desafiador receber um diagnóstico tardio e não saber o porquê de me sentir tão diferente das outras mães, das outras gestantes, daquelas que amam ter um barrigão.
Ser mãe de autista sendo autista é desafiador, mas ao mesmo tempo eu consigo compreender o meu filho, porque eu também preciso de previsibilidade. Eu tenho detesto surpresas. Eu gosto que seja falado pra mim como tudo vai acontecer. Então eu entendo muito o Miguel, como ele é.
Graziele com o filho Miguel
©arquivo pessoal
“Me sinto horrível por não gostar de ser abraçada e beijada pelos meus filhos”
Jaqueline Calandrino tem 29 anos, é doula e educadora perinatal. É uma mulher autista, mãe da Maria Julia, 05, e do Piter, 04; ambos também têm autismo.
Se a maternidade é um ambiente de culpa, a maternidade autista é ainda pior, porque teoricamente eu deveria ser mais compreensiva com as dificuldades e com as particularidades dos meus filhos, mas eu também tenho as minhas pra lidar e nem sempre as particularidade de um combinam com as do outro. Eu tenho muita sensibilidade ao toque, e os meus filhos amam ficar me abraçando e me beijando. Isso me incomoda num nível muito grande. E aí eu me sinto uma pessoa horrível por não gostar de ser abraçada e beijada pelos meus filhos.
Sempre acho que estou fazendo tudo errado. Eu sempre vejo as mães que não são neurodivergentes e que têm filhos autistas dizerem que não têm direito de morrer, pois precisam cuidar de seus filhos. O meu sentimento é: será que se eu morrer não vai ter alguém melhor? Isso é o que sinto em boa parte do tempo.
Jaqueline com os filhos Maria Julia e Piter
©arquivo pessoal
“Amo o meu filho e não mudaria nada em quem nós dois somos: pessoas autistas”
Jéssica Borges tem 32 anos, é educadora, ativista pelos direitos humanos e direitos das pessoas com deficiência, presidente da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (ABRAÇA). É uma mulher autista e mãe do Ravi, 10, também autista.
Minha experiência em ser uma mãe autista é boa e ruim ao mesmo tempo (assim como a experiência de toda a maternidade). A gente ama os nossos filhos, mas odeia a maternidade porque ela traz consigo todas as opressões entre ser mulher e mãe num mundo patriarcal. A experiência boa é porque amo o meu filho e não mudaria nada em quem nós dois somos: pessoas autistas! E é ruim porque nós ainda vivemos numa sociedade que é capacitista, que enxerga a pessoa autista como um problema e como um fardo e que a todo o tempo nos nega direitos.
Cito todos esses pontos porque a vida da pessoa autista e sua família acaba sendo atravessada pela experiência da deficiência, que não é nada barata nesse mundo capitalista. Além dos marcadores sociais de raça, classe e gênero: se você compõe grupos minorizados ainda estará sujeito a sofrer outras opressões advindas da mesma sociedade. Apesar dos enfrentamentos e dificuldades de viver em um mundo que não foi pensado para pessoas como nós dois, somos felizes, temos orgulho de sermos quem somos, vivemos a vida intensamente, aproveitamos as coisas boas que ela nos oferece, como estar na companhia de pessoas que lutam pelos nossos direitos, apreciar a natureza e entender que o mundo é diverso e plural.
Jessica e o filho Ravi
©arquivo pessoal
Fotógrafa registra cotidiano de crianças na Favela da Rocinha
Nascida e criada na Favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro (RJ), Salem fotografa o dia a dia da comunidade a fim de quebrar estereótipos e realçar potências. Por meio desse trabalho, ficou conhecida como a Fotogracria, “a cria que tira foto dos cria”. Entre os seus trabalhos, se destacam as fotos […]