Monólogo poético da menina preta

Monólogo poético da menina preta Nasci preta, Preta, pretinha, tão pretinha que do rosto só se via os olhos. Nem berço tinha. Parecia boneca, Todos falavam. Ah! mas tem “nariz e lábios finos” Já ouvia isso. Mas também ouvia muito: “ela é tão preta, Preta, pretinha.” Aí fui crescendo, as canelas secas espichavam, corria, e […]

Por Redação

27|06|2016

Alterado em 27|06|2016

Monólogo poético da menina preta

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the weaver handmade, scissor n´glue collage. october, 2008| Joana Coccarelli – Flickr




Nasci preta,
Preta, pretinha, tão pretinha
que do rosto só se via os olhos.
Nem berço tinha.
Parecia boneca,
Todos falavam.
Ah! mas tem “nariz e lábios finos”
Já ouvia isso.
Mas também ouvia muito: “ela é tão preta,
Preta, pretinha.”
Aí fui crescendo,
as canelas secas espichavam,
corria, e crescia.
E corria mais e mais,
e ouvia: “Tão linda, parece uma boneca”
Mas também continuava ouvindo: “Mas ela é tão preta,
Preta, pretinha.
O cabelo “carapinha”
Ouvi isso tantas vezes.
Era cabelo ruim,
vivia de chiquinhas
com laços amarelos, cores de rosa ou azuis.
E continuava correndo.
Às vezes era xingada na rua
Sem nunca ter feito nada.
“Neguinha do morro”,
Criola,
Negona.
Como as crianças são cruéis.
Como machucam.
Mas eu era forte.
Tinha que ser. Não tinha outro caminho.
Minha mãe já dizia
Que éramos pessoas não quistas.
Que não podíamos brigar,
Errar,
Bater ou apanhar.
Eh!
“- Se alguém te bater
que não volte chorando.
Pois se assim for,
vai apanhar novamente,
Agora de mim.”
E por aí eu ia.
Crescendo, sangrando,
Me sentindo só,
Me sentindo diferente.
Já percebia olhares,
Tratamentos
E ausências distintas.
Mas eu ia.
Não mais correndo,
Mas lendo, estudando,
Dormindo, sonhando,
Chorando.
Ia seguindo a vida,
O rumo.
Até ir conquistando,
Pouco a pouco,
A linha traçada, mas nada fácil.
Nada!
Com muita luta,
entrega,
Dedicação,
Choro.
E em meio a essa transformação
O coração vai se moldando.
Se modifica a cada desafio,
A cada decepção,
A cada realização.
E nessa nova modelagem
Ganha uns arranhões,
Algumas cicatrizes.
Endurece um pouco
Mas continua batendo,
Batendo
E forte.
Porém, agora,
Mais pausado,
Ritmado.
O choro já nem cai tanto assim.
As mãos nem tremulam,
A cabeça agora é mais erguida,
O medo se espantou,
A fala é mais pausada
Porém a mente com menos sonhos.
O corpo mais cansado.
Mas com esperanças.
Esperança…
Ah! essa dona esperança…
Esperança sempre viva,
A esperança de um dia que vai chegar.
Dia esse que não seremos mais pretos,
Brancos,
Amarelos,
Vermelhos,
Homens, Mulheres ou mix de gêneros.
Seremos apenas SERES HUMANOS
com direitos,
Deveres,
Sonhos e caminhos.

20151218_191522-1Daise Chagas, 45 anos, carioca, trabalha em uma empresa privada de telefonia, formada em Economia, é a quarta filha de uma família de 5 irmãos, pais pobres e nordestinos que foram ao Rio “a long time ago”, em busca de oportunidades. “Meus pais sempre valorizaram os estudos como única saída para o crescimento, financeiro e pessoal, mesmo sendo pessoas de pouca instrução, mas de grande coração, fé, coragem e vontade de realizar sonhos. Pequenos para alguns, mas grande para nós”.