Marcela Bonfim: “celebramos as mulheres Afro-Antilhanas do Rio Madeira
Na estreia de sua coluna, Marcela Bonfim conta a história das mulheres Afro-Antilhanas do Rio Madeira, em Rondônia.
19|07|2021
- Alterado em 26|08|2021
Por Redação
O texto desta coluna contém partes do artigo À cabeça de Negro, as imagens (in)visíveis da Cor (unesp.br). O mapeamento das mulheres é parte da jornada de encontros organizada em celebração ao Dia Internacional da Mulher Negra, realizado pela Prefeitura Municipal de Porto Velho em parceria com o SESC-RO e com a Universidade Federal de Rondônia; com a organização de Joelma Holder, Anne Cleyanne e Elsie Shockness; e composição curatorial de Marcela Bonfim.
O evento parte da jornada de encontros organizada em celebração ao Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha, pela Prefeitura de Porto Velho em parceria com o SESC-RO, utilizando as referências da tese da doutora Cleide Blackman e informações prestadas pelas famílias das mulheres homenageadas.
A mostra acontece de 22 de julho a 22 de agosto de 2021 no Mercado Cultural de Porto Velho, apresentando o Memorial fotográfico “Afro-Antilhanas do Madeira: pioneiras na arte de educar” à comunidade.
No mês de Tereza de Benguela, celebramos as corpas-imagens das mulheres Afro-Antilhanas do Rio Madeira. Celebrar o mês de julho é, inclusive, ressignificar aspectos imaginários que envolvem a imagem de Tereza de Benguela, e das inúmeras narrativas negras femininas tão latentes e marcantes quanto a própria Tereza, uma Rainha do Vale do Guaporé fadada à loucura pelo imaginário colonial, por exatamente ter ousado liderar de forma brilhante o quilombo lembrado por Quariterê, organizado em parlamentos na administração das potências.
Estratégias e resistências que alimentam nossos imaginários com histórias de uma Amazônia Negra composta de mulheres protagonistas como a Rainha Tereza, e as afro-antilhanas que marcaram, às margens do Rio Madeira, com o empenho de seus esforços e conhecimentos na estruturação da rede de ensino público de Rondônia.
No entanto, ao falar dessas mulheres, remontamos importantes impactos causados a partir dessas corpas-imagens recém-chegadas a Porto Velho, vindas de uma intensa diáspora oriunda das antigas ilhas inglesas; provocando de imediato significativas rupturas no fluxo das imagens (sujeitas), apregoadas ao corpo-imagem escuro; agora, sugeridos à perspectiva de outras imagens apresentadas por si mesmas, mais autônomas e visivelmente alinhadas a seus percursos; principalmente na exposição de suas potencialidades, aos poucos, encaixadas na métrica e nos espaços daquele tempo em que o Rio Madeira ouvia blues.
Afro-Antilhanas na Amazônia: uma outra imagem Negra
As populações afro-antilhanas cruzaram o norte do país chegando em grande número em Rondônia; inclusive todos associados à imagem do “barbadiano”; atualmente ressignificado pela historiadora barbadiana, Cleide Blackman, como afro-antilhanos.
Maloney, Johnson, Holder, Blackman, Shockness, Harley, Grumble, Scantbelruy e outras famílias, trazendo em suas identificações o atravessamento de suas qualificações, além dos diferentes costumes apresentados à terra; mais tarde, expressivos nas vias de acesso da pequena cidade nascendo.
A instalação dessas populações ocorreu massivamente às margens direita do Rio Madeira, no sudeste da Amazônia, ponto inicial da Estrada de Ferro Madeira Mamoré (EFMM), com a edificação do Barbadian Town; que tanto possibilitou o reconhecimento gradual das potências desses corpos-imagens e suas qualificações profissionais em destaque no quadro funcional da EFMM.
Com as mulheres despontado papéis importantes à cidade na implantação da saúde e da educação, quanto ressaltou os estigmas e as marcas raciais de parte conservadora da cidade, atribuindo violentamente ao Barbadian Town de “Alto do Bode”.
Mesmo diante inúmeras dificuldades que a cidade apresentava, cotidianamente, principalmente ao corpo-imagem dessas mulheres, era percebido como reação o empenho múltiplo e contínuo (inclusive exaustivo) de suas habilidades, sempre orientadas na direção da conquista ao acesso à educação dos filhos, já frutos da terra; desenvolvendo dessa insistente preocupação, a base de suas oportunidades.
Partir de seus modos e saberes sempre em constante movimento e troca com a comunidade, com seu corpo-imagem em crescente expansão com a cidade de Porto Velho; na época surgindo, inclusive, em reflexo com essas imagens e saberes na formação de seu cotidiano e das políticas locais; deslocando a cabeça e os braços dessas mulheres negras antilhanas à dianteira da luta pela educação básica; e depois pelo ensino superior público; traçando via Madeira um percurso destemido e pioneiro em educar.
Biografias
GALERIA 1/6
AURÉLIA BANFIELD: seus pais imigrantes da ilha de Barbados, Fred Banfield e Louise Banfield, chegaram em Porto Velho por volta de 1910; e nasceu em Porto Velho em 30/11/1916 – curiosamente na data de Independência de Barbados – vivendo 92 anos. Bilíngue da primeira geração de afro-antilhanas que nasceu em Porto Velho e viveu no Barbadian Town.
Em dezembro de 2005 concedeu uma entrevista sobre sua trajetória como educadora no Território Federal do Guaporé, a partir da implantação do Sistema Educacional. Foi fundadora da escola particular denominada Dr. Arthur Lacerda Pinheiro no final da década de 30.
JUDITH HOLDER: também conhecida como Ercita, nasceu em Porto Velho, em 14/12/1913, e faleceu em 03/07/2015; filha de Beatriz Chase e Sidney Morris – ambos imigrantes de Barbados; viveu até os 101 anos de vida, deixando grande contribuição social, religiosa e educacional para o município de Porto Velho.
Ela conta: “[…] No início não sabia que era inglês, as outras crianças e adolescentes que iam ensaiar diziam que Beatrice falava assim porque era idosa e não conseguia mais falar português. Depois, ao perceber que Judith e sua irmã Gertrudes respondiam a mãe na mesma língua, entendi que elas se comunicavam em uma língua estrangeira. Então criei coragem um dia e perguntei para irmã Judith (era assim que a chamávamos), “Que língua é essa que vocês falam?”, ela me respondeu com toda altivez peculiar dos barbadianos: “falamos inglês”. Na época eu não tinha a menor idéia do por que elas falavam essa língua, mas também não tive coragem de perguntar” (Fonte: BLACKMAN, Cledenice. A mulher afro-antilhana de Porto Velho e sua anterioridade na educação. 2020).
RUTH CONDE SHOCKNESS: filha de Alrica Mac Donald e João Fernandes Conde; nasceu no Amazonas, em 05/06/1927 e faleceu em 31/08/2007. Casada com Silas Shockness, atuou no ensino pedagógico e musical, atuando como professora auxiliar do Ensino Primário e de Práticas Educativas para 1º e 2º graus e Magistério.
Na Educação, trabalhou como Diretora e Secretária da Escola Franklin Roosevelt, Professora de Canto Ofeônico e Arte na Escola Carmela Dutra e Escola Castelo Branco. Aposentou em 29/07/83. Foi membro da Primeira Igreja Batista de Porto Velho. Atuou como Organista e Diretora de Música do Coral, além de outras funções nesta igreja.
SYVILL WINTE SHOCKNESS: reconhecida também como Olga, é filha de Adelaide Carter e Raimundo (ou Herman) Winte; nascida em 28/08/1930. Dedicou-se à educação por 24 anos, de 1951 até 1975, lecionando na Escola Rural, Escola dos Tanques, Grupo Escolar Duque de Caxias, Grupo Escolar Barão dos Solimões. No município de Guajará-Mirim lecionou no Grupo Escolar Simón Bolívar e Colégio Normal Paulo Saldanha.
Como Diretora atuou nos seguintes estabelecimentos de ensino: Escola John Kennedy, Grupo Escolar Duque de Caxias, Grupo Escolar Simón Bolívar e Colégio Normal Paulo Saldanha.
LUCINDA SHOCKNESS BENTES: também chamada de Tindá; filha de Catherine Thomas Shockness e Charles Nathaniel Shockness; nasceu em 01/02/1933 e faleceu em 07/04/2019, deixando seu legado como professora na Escola Normal Ajuricaba, em Manaus, por mais de 30 anos, percorrendo sua trajetória pelo Instituto Estadual de Educação Carmela Dutra e Colégio Padre Moretti em Porto Velho.
E no Colégio Vale do Guaporé ministrou a matéria de Prática de Enfermagem. Como 1ª enfermeira do Estado de Rondônia, contribuiu para a instalação do Curso de Enfermagem na Universidade Federal de Rondônia- UNIR.
LYDIA JOHNSON DE MACEDO: nasceu em em Porto Velho (RO), em 21/11/1934, é filha de Elvira Berenice Johnson e de Norman Lucien Johnson. Foi professora, diretora em algumas escolas estaduais, como Escola Estadual de 1º Grau Murilo Braga, iniciando sua vida profissional como professora do ensino primário aos 20 anos de idade, e contribuindo para o desenvolvimento educacional da região a partir da excelência, como era reconhecida, inclusive nomeando a escola estadual E.E.E.M.T.I. Lydia Johnson de Macêdo.
URSULA MALONEY nasceu em Porto Velho, em 16/12/1936; filha de Oscar Depeiza Maloney, era responsável pelo abastecimento e manutenção das Três Caixas D’água. É formada em Licenciatura em Comunicação e Expressão e iniciou sua carreira no magistério com apenas 23 anos.
Teve um importante trabalho junto aos municípios na transição de território para estado, uma vez que atuava como supervisora e coordenadora na instalação do Sistema Municipal de Ensino. Membro da Comissão para Inspeção e Concessão de Registro das escolas particulares no antigo território, e membro permanente da Comissão de Licitação de Material e Obras, responsável pelo planejamento e operacionalização de Ensino da Secretaria de Educação.
BERENICE ELIZA JOHNSON SILVA: também lembrada por Bereca; nasceu em 19/12/1937 e faleceu em 30/01/2019, em Porto Velho. É filha de Elvira Berenice Johnson – descendente da primeira geração de imigrantes de Barbados – e de Norman Johnson – imigrante de Granada.
Foi professora estadual e universitária na Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR; foi membro do núcleo fundador desta instituição, sendo considerada uma precursora na educação rondoniense. Dedicou mais de 50 anos de sua vida ao desenvolvimento, gestão e disseminação cultural por meio da educação, contribuindo à formação profissional/educacional de várias gerações do nosso estado.
RAIMUNDA SHOCKNESS SIMÔA : filha de Beatriz Shockness e Calton Shockness, nascida em 25/07/1938, e também chamada por Mundoca, Mundinha, apelidos carinhosos à professora de ciências, programa de saúde e matemática de adultos na escola Barão dos Solimões; mais tarde, em 1962, diretora substituta da instituição. Atuando também para a comunidade com aulas particulares na escolinha da Primeira Igreja Batista.
GERTRUDES LIFINA HOLDER: conhecida por Gege, nasceu em 31/07/38, na cidade de Porto Velho, filha de Judith Holder e Percy Holder. Atuou como professora primária na escola Barão dos Solimões e Carmela Dutra. Segundo depoimento, quando chegavam alunos difíceis, colegas de trabalho diziam “pode mandar pra sala da Gertrudes que ela ajeita”.
EUNICE LUIZA JOHNSON BATISTA: também conhecida por Nicinha; nascida em 13/02/1942, Porto Velho; filha de Elvira Berenice Johnson e de Norman Lucien Johnson; consolidando sua contribuição na educação como docente nas disciplinas de Psicologia Educacional, Filosofia e Metodologia Ensino Superior, entre outras, na Fundação Universidade Federal de Rondônia durante trinta anos, como também foi chefe de gabinete, coordenadora de Departamento e vice-diretora de núcleo, ocupando por um período o cargo de Coordenadora de Ensino da SEDUC.
ELÓIDE JOHNSON MARQUES: também conhecida por Lodinha, nasceu em Porto Velho, em 18/05/1944, filha de Elvira Berenice Johnson e de Norman Lucien Johnson. Atuou na Educação Fundamental, Média e Especial, como também na Defensoria Pública do Estado de Rondônia, exercendo a Coordenação das Escolas no Interior e do Ensino Especial do Estado, com o exercício da advocacia e diferentes participações na Primeira Igreja Batista de Rondônia.
FRANCISCA LIMA ROQUE: também conhecida por Dona Xiquita, é filha de Zulmira Borges Rock e David Rock e nasceu em 06/12/1949. É reconhecida na educação como professora de Educação Física, sendo graduada na 1ª turma da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. É pós-graduada em Gestão Escolar e atuou como Professora de Educação Física na Escola Marechal Castelo Branco, e como técnica de basquete feminino foi campeã do 1ª ao 11ª Jogos Escolares de Rondônia – JOER, por 11 anos consecutivos, sendo também diretora da Escola Municipal São Pedro por 15 anos.
ANITA JULIEN: é filha de Julius Julien e Iris Helena Julien. Nasceu em 04/03/1952 e faleceu em 27/07/1998; é reconhecida por sua contribuição na educação como professora e 1ª bibliotecária do estado de Rondônia, além de representante do Instituto Nacional do Livro, sendo autora do livro “Biblioteca Pública Dr. José Pontes Pinto”, que conta a história da biblioteca e o processo de integração com a comunidade local.
SARAH JOHNSON DE CASTRO: conhecida também como Sarinha; nasceu em Porto Velho, em 20/01/1954, filha de Elvira Berenice Johnson e de Norman Lucien Johnson, atuou como professora de Ensino Fundamental Médio e Especial. Esteve também na Coordenação do Serviço Social no Hospital S José.
Foi liderança Comunitária na Secretaria de Promoção Social, como também representante do Conselho Nacional de Assistência Social em Rondônia, exercendo diferentes Cargos pertinentes à sua área de atuação na Primeira Igreja Batista de Porto Velho.
EVÓDIA JOHNSON: também lembrada por Joia; nasceu em Porto Velho em 12/04/1955, e faleceu em 20/03/2013. Filha de Elvira Berenice Johnson e de Norman Lucien Johnson, atuando na Educação Fundamental, Média, Superior e Especial como Psicóloga com exercícios em diversas áreas; dedicando-se durante um período como voluntária em campo missionário africano e na Tenda da Esperança da Junta Batista de Missão Nacional, participando em diferentes cargos na Primeira Igreja Batista de Rondônia.
ROSILDA SHOCKNESS: também conhecida por Rosa, nasceu em Porto Velho em 29/03/1961, falecendo em 27/10/2015; é neta de Catarine Shockness e Charles Nathaniel – imigrantes de Granada chegados por volta de 1910; filha de Alcira da Silva Shockness e Irá Eleuza Shockness, descendente da primeira geração de antilhanos nascidos em Porto Velho.
Graduada em Psicologia e em Educação Física, trabalhou nas escolas Duque de Caxias, Manaus eajor Guapindaia como professora, sendo especialista na modalidade voleibol, destacando-se como jogadora na juventude com a conquista de vários títulos para Rondônia.
Marcela Bonfim
Marcela Bonfim era outra até os 27 anos. Em SP, acreditava no discurso da meritocracia. Já em Rondônia, adquiriu uma câmera fotográfica e no lugar das ideias deu espaço a imagens de uma Amazônia afastada das mentes do lado de fora, mas latentes aos lugares de dentro, e às inúmeras potências antes desconhecidas a seu próprio corpo recém enegrecido.
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Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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