Manicures das periferias de São Paulo contam sobre experiência na profissão, o trabalho minucioso para desenhar em unhas e a relação com as clientes.
Reportagem: Beatriz de Oliveira Fotografia: Ellen de Melo
Reportagem publicada originalmente em Expresso na perifa.
Atualizado em 02|05|2023
Unhas estampadas com florzinhas, onça, sereia, poá, xadrez, patas de bichos. Tem também aquelas decoradas especialmente para festas como Natal, Ano Novo e Halloween. Até unhas com desenhos de personagens, como a Pantera Cor-de-Rosa e a Cinderela. Há, ainda, unhas homenageando famosos, como a Juliette Freire, vencedora do programa Big Brother Brasil e a cantora Marília Mendonça.
No pequeno espaço das unhas cabe uma infinidade artística, que passa pela técnica e criatividade da manicure e pelos desejos e personalidade das clientes. As chamadas Nail Arts são formas de decorar as unhas das mãos e dos pés. O processo exige paciência e muita prática das profissionais.
Junto a essa tendência há também os alongamentos de unha. Ele pode ser de gel, de fibra de vidro ou de acrílico e as técnicas são opções para deixar as unhas mais compridas e resistentes. Além de serem “telas” para as “obras de arte”.
De olho no que acontece nas ruas e nas cidades, o Nós, mulheres da periferia investiga as decorações e alongamentos de unhas como fenômenos nas periferias da cidade de São Paulo.
A minha unha sempre foi grande, mas quando quebra, você chora, e com o alongamento, quebra, você arruma
Joana Darck, influenciadora digital
Com mais de 20 anos atuando como manicure, Elaine Martins diz que no começo foi difícil para formar clientela por ser um trabalho minucioso. Nos primeiros anos, dividia essa profissão com a de doméstica. Ela atende as clientes em um salão e também em casa, na Vila Santo Estefano, zona sul da cidade de São Paulo.
Bonytha, como é conhecida pelas clientes e amigas, começou a aprender sobre alongamentos e testar decorações simples há dez anos, mas conta que na época não era algo muito procurado. Hoje o cenário mudou, esses procedimentos estão “bombando” nas periferias. “Não é porque lá no Morumbi tem que na favela não tem. Tem! Tem mais, melhor, e até de madrugada”, diz ela.
Sobre os cuidados com o alongamento, ela afirma que é responsabilidade da manicure e da cliente. O material usado, a higienização e a manutenção são decisivos para manter as unhas de gel, fibra de vidro ou acrílico.
Também na zona sul da capital, Thais Amorim, que sempre gostou de desenhar, encontrou na Nail Art o seu diferencial na carreira de manicure. Ela conta que ao longo dos anos a área teve muita evolução. Antes era apenas o esmalte e palito para fazer os desenhos, hoje há outras opções, como as unhas encapsuladas, que recebem uma camada de gel por cima da decoração.
Ela percebe que em sua região há várias nail designers e que essa é uma área bem procurada pelas meninas em busca de uma profissão. Com 22 anos, Thais trabalha com unhas desde os 12. No início, a ideia era ter uma renda extra, “mas depois eu me apaixonei pela profissão e vi que era o que Deus tinha reservado para mim”. Atualmente tem uma esmalteria no Jardim Angela e também atende as clientes em sua casa.
Em 2019, Thais ganhou repercussão com a divulgação do Trono das Divas, uma cadeira alta que permite a manicure fazer as unhas do pé da cliente sem se curvar. A ideia veio a partir de aulas da faculdade de Recursos Humanos. Já o nome da invenção, foi sugestão de uma amiga e cliente fiel: a influenciadora digital Joana Darck.
Jô, como é chamada pelos amigos próximos, se define como vaidosa e faz alongamento de gel nas unhas há cerca de quatro anos. “A minha unha sempre foi grande, mas quando quebra, você chora, e com o alongamento, quebra, você arruma”.
É essa amiga que Thais procura quando quer fazer um desenho novo nas unhas, como da vez em que prestaram homenagem à cantora Marília Mendonça após sua morte.
Jô marca presença no salão toda semana, após fazer as unhas diz que se sente “mais linda do que já é” e gosta de esmalte de cores fortes. “Se me ver com francesinha ou nude pode me perguntar se não estou bem. Minha unha vai de acordo com o meu humor, eu amo cor ‘cheguei’, a unha chega primeiro que eu”.
Se me ver com francesinha ou nude pode me perguntar se não estou bem. Minha unha vai de acordo com o meu humor, eu amo cor ‘cheguei’, a unha chega primeiro que eu
Joana Darck, influenciadora digital
É um quadro meu, só que é um quadro humano, um quadro que anda
Negra Ba, nail designer
A nail designer Negra Ba conta que os pedidos dos desenhos variam conforme a personalidade da cliente, algumas se inspiram em artes que viram na internet, outras querem que a unha combine com a roupa que vão usar. “A nail art vai de acordo com cada uma, mas todo mundo tá curtindo, porque é uma forma de se expressar, se mostrar para o mundo”, explica.
Em seus 44 anos de idade, metade deles têm sido dedicados à profissão de manicure. Atende suas clientes em um salão localizado em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, local em que é sócia. Além das decorações nas unhas, faz alongamentos de acrílico e de gel.
Negra Ba relata que é evidente a diferença da visibilidade entre manicures negras e brancas, e que isso vem do racismo estrutural. Apesar do maior espaço conquistado pelas profissionais negras, a nail designer acredita que o cenário poderia ser melhor.
“Vi na unha a oportunidade de colocar a arte”, afirma. Essa arte é fruto de uma troca entre ela e a cliente. “É um quadro meu, só que é um quadro humano, um quadro que anda”, conclui.
Quem também vê a unha como espaço para fazer uma obra de arte é Valquiria Calori, nail designer e especialista em alongamentos em gel. Antes de iniciar na profissão de manicure já gostava de desenhar e isso a motivou a começar com artes simples nas unhas das clientes. “Quando eu comecei a fazer a unha em gel eu descobri que era ainda mais fácil desenhar”, afirma.
As decorações são parte importante de seu faturamento. “É uma coisa que me ajuda muito, porque além do valor que eu recebo na unha normal, tem o valor da arte que é cobrado a parte”.
Hoje com 33 anos de idade, Valquiria começou a fazer unhas aos 16. Há alguns anos saiu de Maceió, em Alagoas, e foi morar em São Paulo, onde alugou um espaço no Grajaú, zona sul da cidade. “Eu aluguei um cantinho mesmo, mas vem gente de vários lugares para estar naquele cantinho”.
Durante a pandemia passou a dedicar mais tempo para se especializar nas Nail Arts. Assistiu a diversas lives de profissionais da área e praticou bastante. Mas garante: “tem muita coisa ainda para aprender”.
Ela considera a decoração e os alongamentos um fenômeno nas quebradas e também uma opção de profissão de muitas meninas. “Eu fico muito feliz porque percebo que estou influenciando as meninas aqui do meu bairro, elas não faziam arte e ai começaram”, conta. Afirma ainda que a profissão exige muita disposição e paciência, por se tratar de um trabalho tão detalhista.
A nail art vai de acordo com cada uma, mas todo mundo tá curtindo, porque é uma forma de se expressar, se mostrar para o mundo
Negra Ba, nail designer