Amigos, não mandem Whatsapp. Me contem sobre suas vidas por email

Nesses tempos em que as telas têm deixado tantas pessoas adoecidas, encontrar alternativas que preservem amizades e a saúde mental de quem queremos por perto é um ato de amor revolucionário

09|09|2022

- Alterado em 09|09|2022

Por Amanda Stabile

“Olá! se for sobre trabalho, podemos conversar entre 8h e 20h, de segunda à sexta ?”. Esse domingo, resolvi trocar o recado do meu WhatsApp, que era o trecho de uma música do Jorge Aragão, por esse recado profissional. É óbvio que, em respeito a quem eu amo, eu poderia citar mais uma vez o cantor carioca e escrever que “logo logo, assim que puder, vou telefonar”. Mas isso não seria verdade.

Como canceriana raiz – e com quatro planetas regidos pela Lua –, sou extremamente apegada à família e aos amigos. Mas, desde que a pandemia começou, usar aplicativos para me comunicar tem sido um exercício de paciência, perseverança e ansiedade. Encontrar cada amigo [com sorte] uma vez no mês [semestre] para atualizar sobre os babados e deixar os desabafos para a sessão de terapia tem sido muito mais saudável, pelo menos por aqui.

O imediatismo das mensagens instantâneas já foi muito comemorado como uma evolução da comunicação. E, a essa altura do campeonato, não podemos negar as facilidades que essa tecnologia nos trouxe – nem deixar de lamentar os prejuízos eleitorais.

Mas a partir do momento em que as mensagens via WhatsApp se tornam uma demanda e um desconforto, para mim, fica inviável considerá-las como meio de demonstrar afeto e se fazer presente na vida das pessoas.

Como um precioso ensinamento do @contente.vc, no Instagram, já alertou: online não quer dizer disponível – aliás, caso você esteja lendo, Zuckerberg, aguardamos o breve fim do online. Além disso, a sua pressa não é a pressa do outro. E, assim como você fica ansioso pela interação do outro, o outro também fica ansioso por não poder responder naquele momento.

É um ciclo. Uma reação em cascata. Um efeito dominó. E, no fim, as peças jogadas no chão são da nossa sanidade mental.

Todo esse imediatismo me faz considerar o tempo de resposta das cartas como um ótimo parâmetro. E, como uma solução muito saborosa para facilitar a comunicação  com todas as pessoas importantes de uma vez só, alguns amigos criaram newsletters pessoais que – eles não sabem, mas – me fizeram dar pulinhos de felicidade. Desde então, me contar seus pensamentos por email têm sido considerado por aqui um ótimo critério para boas amizades.

Por tudo isso, aos que me amam, eu confesso, com todo o meu carinho, que quando digo que “se for sobre trabalho, podemos conversar entre 8h e 20h, de segunda à sexta”, não quero dar a entender que se o assunto for outro está tudo bem conversarmos pelo WhatsApp em qualquer outro horário. Essa é a minha linguagem do amor para com vocês também.

Se for para falar sobre a vida, sobre amores ou reclamar do governo, vamos tomar um café [cerveja], venha em casa, bora fazer um piquenique no parque, ir em uma manifestação, no sambinha do Movimento Sem Terra.

Nesses tempos em que as telas têm deixado tantas pessoas adoecidas, encontrar alternativas que preservem amizades e a saúde mental de quem queremos por perto é um ato de amor revolucionário.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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