Três jovens negras contam como realizaram sonho de publicar livro infantil
O livro é um conto de fadas que aborda questões sociais muito discutidas na atualidade
Por Redação
21|02|2017
Alterado em 21|02|2017
Era uma vez três jovens negras que se conheceram no curso de pedagogia : Joyce Santos Silva, pedagoga e moradora do Jardim Brasil, na zona norte de São Paulo, Priscila Pereira Novais, da Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo e Joana Xavier Tavares, que vive no Butantã, zona oeste da cidade. Foi por causa das aulas de Literatura infantil com a professora Maria Isabel de Carvalho, se inspiraram a escrever a obra “A princesa que roubava pentes“, lançada em junho desse ano.
Foi Joyce que fez os primeiros rascunhos dos desenhos de mulheres com cabelo crespo, pentes e espelhos. “Mostrei os desenhos e pensamos: ‘e se a gente fizesse uma princesa que roubasse pentes’?”. O livro é um conto de fadas que aborda questões sociais muito discutidas na atualidade. Entre os temas está um ponto chave: como assumir sua identidade e como isso influencia na vida adulta?.
A personagem principal, Medusa, é uma princesa diferente que quebra paradigmas e conceitos de beleza. Apaixonada por pentes, ela vive uma saga incessante para a descoberta da magia, a fim de quebrar rótulos e estereótipos impostos pela sociedade em seus padrões de beleza e romper a busca da perfeição. Durante a história, a princesa vai aprender que o mais importante é se aceitar e valorizar a beleza de ser quem é. “A princesa vai em busca de pentes acreditando que eles tivessem poderes, mas depois vai descobrir que o poder não está nos pentes, e sim nela mesma”, diz Joyce.
As autoras do livro / Crédito: arquivo pessoal
A emoção do lançamento tomou conta das famílias. “Minha mãe ficou louca, disse que nunca pensaram em ter uma escritora na família. Foi um sonho pegar aquele livro e dizer ‘eu sou capaz, eu que fiz’”, define Joyce. “Meu pai repetia: ‘minha filha é pedagoga e escritora’. Minha mãe e meu noivo também ficaram super orgulhosos e me apoiaram bastante”, relembra Priscila. “A reação da minha família foi de emoção, minha mãe e meu avô foram os que mais se emocionaram quando souberam da noticia. Pois de todos os irmãos que eu tenho, sou a primeira a prestes a concluir a faculdade e a primeira a publicar um livro”, comenta Joana.
Após terminarem a narrativa, começaram a procurar uma editora que possibilitasse tornar o sonho realidade nas folhas de um livro. A realização só aconteceria quando crianças como as que elas tiveram contato na pesquisa de campo conhecessem a história. “A primeira editora que eu encontrei cobrava R$ 15.300 por 500 exemplares. Era muito caro”, explica Joyce. Ela foi em busca de opções mais baratas. Encontraram uma editora que exigia uma tiragem mínima de 40 livros, sendo que 28 deles deveriam ser vendidos no evento de lançamento que seria realizado no espaço da editora para cobrir as despesas de impressão.
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“Não tínhamos dinheiro para nada”, afirma Joyce. Elas estavam com medo de não conseguir vender e ter que descontar o cheque caução que havíamos feito. Foi uma surpresa quando venderam os 40 livros em uma hora para os amigos, familiares e professores que foram prestigia-las. “O cheque não foi descontado e os 5% da venda dos livros que receberíamos usaremos como desconto para a impressão da próxima tiragem, já que o contrato é de um ano”, contou Joyce.
Inspiração e negritude
“Antes das aulas ela sempre fazia uma leitura, falava da importância de ler e de levar livros para que os alunos tivessem contato”, diz Joana. “Ela também falava da importância de despertar o interesse por diferentes gêneros literários”, complementa Priscila.
Apesar de toda a inspiração, o momento de aplicar o conhecimento acadêmico adquirido é complicado. “Tudo que a gente aprende na faculdade de pedagogia é lindo, a gente quer mudar o mundo, mas quando chega na escola pensa: ‘como vou mudar isso?’”, questiona Joyce.
Capa do “A menina que roubava pentes”.
De acordo com informações do Observatório Cidadão da Rede Nossa São Paulo, a meta é que as bibliotecas municipais tenham pelo menos dois livros por habitante que esteja na faixa etária de 7 a 14 anos. No ano de 2013, o acervo de livros infantojuvenis no Butantã é de 4,89 por pessoa, a melhor posição. No Jaçanã o indicador está abaixo da média, com 1,22. Cidade Tiradentes em 0,354, também abaixo da média.
Durante a pesquisa de campo que deu origem ao livro, uma das perguntas foi: “qual o contato que as crianças têm com a leitura?” Segundo Joyce, uma professora fez uma roda literária com vários livros da biblioteca e pediu que cada aluno escolhesse o seu. Alguns escolheram por algo que chamasse a atenção na capa, outros até conheciam autores. Outra pergunta fundamental para este processo de pesquisa foi se alguém em casa lia para a criança. Algumas crianças tinham quem fizesse a leitura para elas, algumas já tinham livros próprios e os gibis também apareceram. Também houveram relatos de quem não tinham nenhum livro em casa.
No resultado, identificaram a necessidade de uma leitura que fosse encantadora e prazerosa para a criança. Pensando em buscar ainda mais técnicas para envolver as crianças nesse processo, Joyce também participou de um curso de contação de histórias, de alfabetização e letramento. “As crianças têm os professores como modelos de comportamento leitor. Uma das coisas para envolver os alunos é que os professores tenham entonações na voz, hoje as crianças tem maior acesso a informação, mas a tecnologia tem afastado as crianças dos livros”, explica Joyce.
Assim surgiu a ideia de fazerem um livro infantil. As três se reconhecem como negras. “Estamos num momento em que muitas mulheres voltaram a usar o cabelo afro, mesmo com um processo de embranquecimento, há o feminismo e o empoderamento das mulheres negras”, argumenta Joyce. As três optaram pelo caminho da aceitação da individualidade. “A gente vive numa ditadura da moda, da beleza, dos estereótipos, de estar num padrão, de precisar ter um príncipe para ser feliz e temos que desconstruir esses padrões. Você é bonita do jeito que você é. Você tem que se aceitar, independente do jeito que as pessoas querem que você seja”, defende Joyce.
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