“Só voto em mulher!”… Mas qual mulher?
Representatividade precisa ser política, para além da individual
03|09|2024
- Alterado em 03|09|2024
Por Karoline Miranda
Mais uma eleição chegou e, com ela, a dúvida: em quem eu voto? Por mais que muitas estejam desiludidas com a famigerada “festa da democracia”, as eleições ainda são um dos meios mais importantes de participação política, e o voto se torna uma moeda muito valiosa. Único, pessoal e intransferível, seu uso precisa ser racional e consciente.
Historicamente, mulheres, pessoas negras, indígenas, pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e praticantes de religiões de matriz africana foram e continuam sendo marginalizados nos espaços de política institucional. Seja no Legislativo, dentro do parlamento, ou no Executivo, nas prefeituras, governos, ministérios e presidências, a paisagem é sempre dominada, em sua grande maioria, pelos mesmos rostos: homens brancos cis e, quase sempre, heterossexuais, preferencialmente cristãos.
A movimentação para mudar esse cenário já acontece há algum tempo e, nas campanhas, muitos candidatos e candidatas apostam na máxima “vote em mim, porque eu pareço com você”, o que chamamos de representatividade. Precisamos de mais mulheres? Então vote em uma mulher. Precisamos de LGBTQIA+? Então vote em alguém da comunidade. PCDs são minoria? Então vote em uma pessoa com deficiência. Busque um candidato negro ou indígena para apoiar, e assim por diante.
Mas será que votar em uma mulher de fato nos representa apenas pelo fato de ela ser mulher? Votar em pessoas marginalizadas, minorias sociais por si só, é um voto de representatividade real?
De nada adianta termos uma mulher negra nos espaços de poder se ela não sustenta uma agenda política que atenda às nossas demandas: combate à violência policial, políticas públicas de acesso à cidade, enfrentamento ao racismo e ao machismo. Votar em uma pessoa LGBTQIA+ é inútil se ela não combate a homofobia ou se não promove políticas públicas de acesso a emprego, educação e melhorias. Indígenas no poder de nada valem para os povos originários se não pautam a demarcação de terras e a preservação de aldeias e quilombos.
Quando a representatividade é apenas visual, e não política, ela não é representatividade; é apenas um espantalho. Alguém que se coloca como pertencente a um grupo social apenas pela conveniência de conquistar os votos de seus iguais, mas sem trabalhar para o benefício deles. A representatividade precisa ser para o coletivo. Se ela é individual, não representa ninguém além do próprio candidato.
É importante, sim, que busquemos votar em mais mulheres, mais pessoas pretas, mais indígenas, mais LGBTQIA+. Que as câmaras e prefeituras tenham mais a nossa cara. Mas só a cara não é suficiente: para serem representativas, elas também precisam ter a nossa voz.
Karoline Miranda Jornalista e historiadora, é mãe do Gael e da Pilar de Maria e autora responsável pelo Uma Mãe Feminista.
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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