Foto mostra mulher negra mexendo na internet pelo celular

“Ser mulher negra é ser alvo o tempo inteiro, mesmo na internet”

Enquanto pesquisa aponta mulheres negras como principais vítimas de racismo digital, Projeto de Lei no Senado busca incluir violência eletrônica na Lei Maria da Penha

Por Amanda Stabile

24|10|2025

Alterado em 24|10|2025

O número de denúncias de racismo na internet registradas no Brasil tem crescido de forma expressiva, e as principais vítimas são mulheres negras. É o que mostra o relatório “Brasil, mostra sua cara: Retrato das vítimas de racismo online e o anonimato de seus agressores”, elaborado pelo Aláfia Lab, que analisou dados do Disque 100 entre 2011 e 2025. Segundo a pesquisa, 61% das vítimas de racismo digital são mulheres, em sua maioria negras, com idades entre 25 e 40 anos.

“Ser mulher, e sobretudo negra, é ser alvo o tempo inteiro, mesmo na internet”, afirma Larisse Pontes, antropóloga, pesquisadora do Aláfia Lab. Ela aponta que o aumento das denúncias está relacionado tanto à maior conscientização racial e de gênero quanto à intensificação das violências no ambiente digital.

“O aumento do debate racial, junto ao letramento também racial através da atuação dos movimentos negros, das cotas e consequentemente da mudança em curso nas universidades a partir de seus currículos, mas não só, podem ser alguns aspectos que ajudem explicar o aumento nas denúncias”, explica.

“Mas a pesquisa realizada pelo Aláfia também evidencia que a polarização política no país acirrou os conflitos no âmbito digital. Com isso, violências como a racial, também foram incorporadas no comportamento de agressores, facilitado pela dificuldade de identificar quem pratica esse crime na internet”.

O levantamento mostra que as formas mais comuns de racismo digital são constrangimento e injúria, classificadas como violência psíquica. Segundo a pesquisadora, a recorrência desse tipo de agressão reflete a normalização da violência simbólica. “Por ter um caráter mais “sutil” tanto a vítima, como o agressor, passam por ela de maneira mais recorrente”, afirma Larisse.

O relatório também destaca a existência de um ‘deserto de dados’, já que grande parte das denúncias não identifica o agressor. “Ainda temos muitos desafios para conseguir tornar a internet um ambiente mais saudável, sobretudo para as mulheres e mulheres negras. Isso é um problema intersetorial – tanto plataformas, governo e sociedade civil – precisam de apoio e mais articulação para que possamos ter uma internet que não deixe agressores confortáveis em agir”, diz.

Senado aprova PL que inclui violência eletrônica na Lei Maria da Penha

O aumento das denúncias e a pressão por mecanismos de proteção acontece em meio à tramitação do Projeto de Lei nº 116/2020, de autoria da senadora Leila Barros (PSB/DF), que propõe incluir a violência eletrônica entre as formas de agressão reconhecidas pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).

O projeto, que teve como relator o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB), altera o artigo 7º da Lei Maria da Penha para explicitar que as violências psicológica, sexual, patrimonial e moral podem ser cometidas “por quaisquer meios, inclusive eletrônicos”. Na prática, a proposta reforça a aplicação da lei em casos de perseguição digital, ameaças, exposição de imagens íntimas, chantagem e difamação online.

Na avaliação da pesquisadora, a proposta representa um avanço, mas não é suficiente para resolver o problema. “Somente uma lei, sozinha, não consegue mudar tudo. O racismo e a violência contra a mulher é um problema estrutural, precisamos de mais pessoas, instituições e pesquisas como esta que nos ajudem a enxergar os problemas de forma mais sistemática e a pensar transformações”, afirma.

Para reduzir a incidência de ataques e fortalecer a proteção das vítimas, Larisse defende investimentos em educação digital, letramento racial e de gênero, além da ampliação de parcerias entre Estado, sociedade civil e plataformas de tecnologia.

“Letramento racial, de gênero e midiático são ações que podem endossar boas e importantes mudanças na nossa sociedade. Junto a mudanças legais e a constante monitoramento, parcerias com a sociedade civil, instituições de pesquisa, movimentos sociais, Estado e as próprias plataformas, acredito que podemos combater e reduzir esses casos. É possível virar o jogo, mas ainda temos um bom caminho para percorrer”, conclui.