
Senado aprova PL que prevê reconstrução dentária para vítimas de violência doméstica
Projeto visa garantir atendimento odontológico especializado pelo SUS para mulheres que sofreram agressões domésticas que causaram danos à saúde bucal
Por Amanda Stabile
20|03|2025
Alterado em 20|03|2025
Em 12 de março, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 4.440/2024, proposto pela Deputada Federal Simone Marquetto (MDB/SP), que institui o Programa de Reconstrução Dentária para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
O objetivo é garantir atendimento odontológico especializado para mulheres que sofreram agressões domésticas que causaram danos à saúde bucal. O texto segue para aprovação do presidente.
A relatora do projeto, Senadora Dra. Eudócia (PL-AL), apresentou parecer favorável à sua aprovação, destacando a gravidade da violência doméstica como um problema de saúde pública, que em 2023 vitimou 1,2 milhão de mulheres no Brasil, de acordo com a 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Ela ressaltou que os danos na região da cabeça e pescoço são predominantes nesses casos, gerando traumas físicos e psicológicos profundos.
“Mulheres vítimas de agressões dentro do lar sofrem com os impactos corporais da violência, além de ficarem marcadas por profundas cicatrizes psicológicas e emocionais, que comprometem sua dignidade, autoestima e qualidade de vida”, afirmou a relatora em seu parecer.
Também apontou que os danos à face e à boca além de prejudicarem a saúde, têm um impacto significativo na vida social e emocional das vítimas. E enfatizou que o tratamento odontológico especializado é essencial para restaurar a dignidade e a autoestima dessas mulheres, reduzindo o isolamento e promovendo a inclusão social.
Contudo, a Senadora ressaltou a limitação dos serviços odontológicos especializados oferecidos pelo SUS, especialmente para atender mulheres vítimas de violência. “Um programa que viabilize o acesso imediato ao tratamento odontológico especializado não é apenas uma medida de saúde, mas também uma política de justiça e reparação social”, disse.
O que a lei em vigor prevê?
Em 17 de setembro de 2019, o então presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 13.871, ainda vigente, que modificou a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). A legislação estabelece a obrigação do agressor de ressarcir o SUS pelos custos relacionados aos serviços de saúde e segurança prestado às vítimas de violência doméstica e familiar.
Enquanto a lei atual foca no ressarcimento financeiro pelos custos de serviços prestados pelo SUS em geral, o Projeto de Lei nº 4440/2024 tem como foco o atendimento odontológico especializado para mulheres vítimas de violência. O projeto visa apoiar a recuperação e reintegração social dessas mulheres, com um cuidado direcionado à saúde bucal. Ambas as iniciativas têm como objetivo promover justiça, reparação e apoio às vítimas, mas de formas diferentes e complementares.
Saúde bucal das mulheres vítimas de violência
Diversos estudos investigam e denunciam o impacto da violência na saúde bucal das mulheres. O estudo “Violência contra a Mulher e Consequências à Saúde Bucal”, realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA/ICS), por exemplo, analisou 436 laudos do Instituto Médico Legal Renato Chaves, em Belém/PA, emitidos entre 2006 e 2010.
Os autores identificaram que 23,59% (uma em cada quatro) das mulheres analisadas apresentaram traumas faciais, como danos aos lábios, dentes deslocados, fraturas e perda de dentes. Esses traumas são causados principalmente por socos, chutes e uso de objetos contundentes.
Além dos danos físicos, muitas vítimas relataram dificuldades emocionais, como baixa autoestima, depressão e ansiedade, além de problemas para acessar tratamentos odontológicos devido ao alto custo e à falta de políticas públicas adequadas.
O estudo “Mulheres Vítimas de Violência Doméstica no Brasil: Lesões em Região de Cabeça e Pescoço”, de autoria de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), também realizou uma revisão integrativa da literatura com o objetivo de caracterizar as lesões em regiões de cabeça e pescoço em mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil.
Foram analisados 455 estudos encontrados e 12 artigos foram selecionados como relevantes. Com base nessa análise, descobriram que os ferimentos mais comuns na região de cabeça e pescoço incluem equimoses (hematomas), escoriações (arranhões) e edemas (inchaços), geralmente causadas por instrumentos contundentes, e afetam tecidos moles, dentes e mucosas orais.
No Brasil, a Lei nº 10.778/2003 impõe a obrigação de notificação compulsória de casos de violência contra as mulheres atendidas em serviços de saúde públicos ou privados, incluindo dentistas.
Esses profissionais desempenham um papel fundamental no tratamento e na identificação das agressões, podendo se envolver especialmente de duas maneiras: diagnosticando sinais de violência ou tratando as lesões causadas por ela. A omissão de casos graves, como fraturas faciais e perda de dentes, pode resultar em punições legais.
Além disso, os profissionais devem registrar detalhadamente as lesões no prontuário, pois essas informações podem ser necessárias para investigações e processos judiciais. O sigilo profissional deve ser respeitado, exceto quando a lei exige a comunicação às autoridades.