“Criamos o selo literário como emancipação feminina”

A professora e escritora Célia Reis relata como junto com outras autoras periféricas criou o Selo editorial Me Parió Revolução.

Por Redação

05|10|2020

Alterado em 05|10|2020

Sou Célia Reis, também conhecida como Celinha Reis Guarani Kaiowá.  Componho o Selo editorial Me Parió Revolução desde 2016. Estou aqui com a feliz missão de apresentar nosso coletivo. Falar deste selo editorial é falar de um princípio africano que diz: “se quer ir rápido, vá sozinho, se quer ir longe vá em grupo”. Essa é a filosofia fundante deste coletivo de mulheres periféricas afro-indígenas latino americanas.

Somos mulheres de muitas histórias, trajetórias, engajadas em múltiplas frentes da vida: família, maternidade, trabalho – fora e dentro de casa – luta por moradia, ativismo cultural, escritas, saraus, educação, biblioteca comunitária, cursinho popular, pesquisas e estudos acadêmicos.  Cada uma com sua potência, com sua luz transforma esse selo editorial em voz ampliada de mulheres, como um farol largo e de grande alcance, iluminando longe.

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Celinha Reis Guarani Kaiowá

©Arquivo pessoal

Me Parió é um território de afeto, de escuta, de fala, de expressão e publicação: insurgência de mulheres.

Um quilombo, uma comunidade. Nos encontramos para criar, produzir, refletir, parir sonhos. Em casa, ora de uma ora de outra, com as crias junto, chorando, brincando, produzindo ruídos que se misturam as conversas adultas.

A casa que recebe, acolhe o coletivo. Na chegada a gente ganha sorrisos, abraços. Juntas fazemos o alimento e ao mesmo tempo a conversa flui, vamos compartilhando os saberes e viveres de cada uma: a vida, o cotidiano, os processos difíceis de quem está doente ou enfrenta a doença do pai, a insegurança da mãe. A lida com os filhos, a neta, o desemprego, o anúncio de gravidez, a vida em tempos de pandemia.

Enquanto isso, vamos saboreando o que cada uma trouxe, o lamento, as angústias, os descontentamentos, as conquistas, o bolo de banana irresistível, as frutas também. A reunião acontece na cozinha, preparando o que vai nutrir essa aldeia pra além de sonhos, o alimento, a comida mesmo: arroz, feijão e ovo. Nesse momento de pandemia de encontros virtuais, a nutrição vem por ondas magnéticas que acolhe o choro, a insegurança, acalanta o coração, ativa a coragem, desperta a esperança, abrindo novos horizontes. Sempre é festa. Porque festa é a manifestação da vida acontecendo.

Me Parió é um caminho de emancipação feminina, em coletivo – potencializando cada uma. Na reflexão surge a identidade com a editora: “sou tudo, junto com todas”.

 Ser um selo editorial independente é uma escolha para garantir autonomia e emancipação. Um trabalho de ativismo literário e formação cultural, feito por mãos e mentes femininas.

Quando nos perguntamos que mundo queremos parir, a resposta é rápida e sem rodeios: um mundo que caiba mundos diversos, cheios de vida farta.

A editora é uma possibilidade de nos expressarmos – externar ao mundo essa relação de produção editorial comunitária, coletivo mutirão, fazendo juntas, expressando ao mundo os mundos que queremos parir. É desenvolver possibilidades de gestar, de parir mundos possíveis, plenos de liberdade. Fazer circular ideias, experiências, projetos, desejos, sonhos, sementes.

Sonhamos viver o bem viver, e entendemos que individualmente esse sonho se torna ilusão. Não queremos ir rápido, queremos ir longe.

Atuar como espelho que reflete a realidade e amplia a visão alcançando pessoas com esperança e vigor de construção. Assim A Me Parió tem atuado desde 2013, inicia sua missão lançando “Onde escondemos o Ouro”, da escritora Dinha, idealizadora desse selo editorial e coletivo, com Sandrinha e Lindalva, depois foram se achegando Niela, Nanda, Celinha, Gláucia, Fabi, Fefe e a recém chegada Dri.

Deste então tem colocado seus rebentos no mundo: “Onde estás felicidade” de Carolina Maria de Jesus (2014); “Canções de amor e dengo”, de Cidinha da Silva (2015); “Zero a zero: poemas contra o genocídio da população negra”, de Dinha (2015); “Desumanização na literatura”, de Fenanda Nassi e Patrícia Nakagome (2015); “Metralhadora de chocolate de Dinha e Dú” (2017); “De Zacimbas a Suelys, Afrotons” (2017); “Gado cortado” de Dinha (2018);  “Estéticas na cena teatral” de Cristiane Sobral (2018); “Espantologia poética: Marielle em nossas vozes” (2018); “Pele para nossos corpos” de Mixa (2019); “Maria Pepe Pueblo” de Dinha (2019). E agora  celebramos o nascimento de mais um rebento, “Diário do Fim do Mundo” de Dinha, recém nascido na pandemia do Coronavírus, em 2020.

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Livros do Selo Literário Me Parió Revolução

©Arquivo pessoal

Nos expressamos em diversos veículos de comunicação, nas redes sociais. No site, o leitor é recebido com a seguinte explicação: Selo editorial negro, feminino e independente.  Idealizado e executado por mulheres, o selo se propõe a editar livros “semi artesanais, bonitos de encher os olhos e a alma, mas sem esvaziar os bolsos”. A intenção é promover a leitura facilitando o acesso aos livros, e incentivando autores e autoras estreantes ou não a publicarem seus textos de forma independente. É possível adquirir os livros impressos e também baixar nossas produções gratuitamente. É tudo nosso!