Saúde mental: é impossível ser feliz com exaustão e ansiedade

No Brasil, o atendimento psicológico é privilégio de poucos, mesmo o país estando em primeiro lugar no ranking dos mais ansiosos do mundo

22|07|2022

- Alterado em 22|07|2022

Por Amanda Stabile

Eu cresci ouvindo que “pobre não pode ter depressão porque não tem tempo para ficar triste na cama”. Mas uma coisa que aprendi na prática é que a tristeza arruma tempo: espera o ônibus junto com a gente, ocupa o vão entre o trem e a plataforma e nos acompanha até nos momentos de pausa para ir ao banheiro. Não tem descanso.

E quando se é uma jovem periférica, que conseguiu uma bolsa integral de ensino superior, tem a chance de mudar toda a sua vida e quebrar o ciclo de pobreza da sua família, outra coisa difícil de controlar é a ansiedade. Sempre fiquei ansiosa por ir bem em todas as provas e trabalhos para não reprovar nas matérias e ter de justificar para o setor de bolsas que não consegui dar o meu máximo porque estava cansada.

Saía de casa sempre às 5 da manhã e voltava meia noite para conseguir cumprir o estágio obrigatório e ainda ganhar uma graninha para me alimentar melhor. A saída era estudar sentada no chão do ônibus ou em cima do motor da lotação. Mas isso nem sempre dava certo. Um dos sintomas da depressão e da ansiedade que me acompanhavam era procrastinação – o ato de adiar a realização de tarefas porque sua mente simplesmente não consegue se concentrar.

Foi aí que procurei, pela primeira vez, um atendimento psicológico gratuito na clínica da faculdade. Depois de um ano, literalmente, na fila de espera, tive minha primeira consulta de avaliação. Chorei horrores na frente de duas pessoas que me olhavam um pouco pasmas enquanto anotavam meu sofrimento em um bloquinho. Senti vergonha.

Para mim, não foi nada confortável contar sobre as dores da minha vida para pessoas que não tinham vivências parecidas com as minhas. Mas o que torna essa situação ainda pior é saber que ter a chance de ser atendida psicologicamente no Brasil é um privilégio de poucos.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em países de baixa renda, apenas 12% das pessoas recebem tratamento.

A organização também aponta que o Brasil vive uma epidemia de ansiedade: 18,6 milhões de pessoas convivem com esse transtorno. E, em relação à depressão, nos últimos 20 anos, o número de óbitos no país por lesões autoprovocadas dobrou de 7 mil para 14 mil, de acordo com dados do Datasus.

Esses dados comprovam que, ao contrário da frase que eu sempre ouvi, se tem uma coisa para a qual os pobres têm tempo é para adoecer mentalmente. Há inúmeras razões para estar deprimido e ansioso quando se é mal pago, vivendo em condições de pobreza e desigualdade, passando horas apertado no transporte público e sendo exposto a altos índices de violência desde o começo da vida.

Ainda, durante a pandemia, período em que os índices de pobreza e desigualdade aumentaram consideravelmente, seria coincidência que as taxas de depressão e ansiedade subiram 25% em todo o mundo? Os mais afetados foram aqueles da minha faixa etária, entre 20 e 24 anos de idade.

Tudo isso nos mostra que, para cuidar da saúde mental da população é preciso, também, cuidar para que haja emprego, casa, saúde, educação e todos os outros direitos constitucionalmente previstos. Garantir alimentação também é essencial: é impossível ser feliz faminto.

Quanto a mim, adoraria terminar esse artigo dizendo que me vi livre de todos os sintomas assim que me formei na faculdade. Mas, na terapia, entendi que o que eu sentia era apenas a ponta do iceberg. É preciso anos de tratamento para reparar uma vida de violações. 

Hoje, encontrei profissionais com quem me identifico, mas a luta contra o adoecimento mental é constante, ainda mais quando se é mulher e se vive em uma sociedade que diariamente inventa novos meios de nos violar. Ultimamente, o meu desafio pessoal tem sido fazer a diferenciação entre bloqueio criativo e exaustão mental.

Aproveitando que falta pouco mais de dois meses para o primeiro turno das eleições, é importante lembrarmos que: a efetivação do acesso à saúde mental para todos é uma demanda que devemos cobrar dos nossos representantes. Por isso, na hora de votar, não podemos esquecer que estamos em um momento decisivo para traduzir esses nossos anseios e necessidades nas urnas.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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