Foto mostra mulher fazendo o exame de mamografia

Saúde da mulher não precisa doer: o que pode (e deve) ser diferente nos exames preventivos?

Dor, constrangimento e falta de acolhimento afastam mulheres dos exames preventivos. Mas novas tecnologias e abordagens mostram que é possível cuidar sem causar sofrimento

Por Amanda Stabile

12|11|2025

Alterado em 12|11|2025

Muitas mulheres relatam dor, constrangimento ou desconforto durante exames preventivos, como o Papanicolau e a mamografia. Estudos brasileiros e internacionais mostram que essas sensações não são exceção: elas são um dos principais motivos para que mulheres deixem de realizar o exame regularmente.

Uma revisão sistemática publicada na Revista Brasileira de Análises Clínicas, por exemplo, mostrou que a não realização do Papanicolau está associada a experiências prévias de dor, vergonha e falta de acolhimento, além de desigualdades de raça, renda e acesso. Em outras palavras, não se trata de “falta de cuidado” das mulheres — mas de um cuidado que não está sendo oferecido de forma acolhedora e acessível.

O Papanicolau, ou exame citopatológico, é o método hoje mais usado no Brasil para o rastreamento do câncer do colo do útero. Ele é feito a partir da coleta de células do colo do útero, que são analisadas no microscópio para identificar lesões já instaladas, que podem ser precursoras do câncer.

Como mostra o artigo “A mulher, o médico e as historiadoras: um ensaio historiográfico sobre a história das mulheres, da medicina e do gênero”, da pesquisadora Ana Paula Vosne Martins, a medicina moderna se estruturou, ao longo dos séculos 19 e 20, sem usar o corpo feminino como referência. O corpo considerado “padrão” era o masculino e o corpo das mulheres aparecia nos tratados médicos como algo a ser corrigido, moderado ou controlado.

Essa lógica moldou a própria forma de cuidar. Especialidades como ginecologia e obstetrícia foram construídas não apenas como campos de saúde, mas como tecnologias de vigilância e disciplina do corpo feminino. A escuta da mulher, suas sensações e suas preferências não eram consideradas parte do ato de cuidar, mas ruídos — elementos secundários diante da autoridade médica.

Mamografia sem dor

Pesquisadores e profissionais de saúde vêm discutindo alternativas para reduzir o desconforto em exames preventivos. Parte dessas discussões se apoia em abordagens que consideram a experiência da paciente como um dado clínico relevante — e não como aspecto secundário do procedimento.

Um exemplo está no desenvolvimento de tecnologias para rastreamento do câncer de mama. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) criaram um dispositivo que realiza o exame sem a compressão da mama, hoje considerada a etapa mais dolorosa da mamografia tradicional.

Hoje, a mamografia convencional funciona assim: a paciente posiciona a mama entre duas placas que realizam uma compressão do tecido para gerar a imagem. Essa compressão é rápida, mas pode causar desconforto, especialmente em mulheres com mamas densas, sensibilidade, próteses, lactantes ou em pré-menopausa.

O novo equipamento utiliza ondas eletromagnéticas, semelhantes às de wi-fi ou bluetooth, para identificar alterações no tecido mamário. A tecnologia ainda está em desenvolvimento, mas é apresentada como menos invasiva, portátil e de menor custo do que o mamógrafo convencional. Esse tipo de inovação não substitui a mamografia, mas aponta um caminho: é possível repensar o exame sem tratar a dor como inevitável.

Papanicolau x teste molecular de DNA-HPV

Outra mudança importante está em andamento no Sistema Único de Saúde (SUS). O Papanicolau, exame tradicional de rastreio do câncer do colo do útero, começará a ser substituído progressivamente pelo teste molecular de DNA-HPV, considerado mais eficaz pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Hoje, o Papanicolau tradicional é realizado assim: a paciente é posicionada na maca, com as pernas apoiadas em perneiras. Para visualizar o colo do útero, o profissional introduz um espéculo, geralmente rígido, que mantém o canal vaginal aberto para a coleta de células. A sensação durante a introdução e a abertura pode variar de incômodo a dor, especialmente se houver tensão muscular ou pouca lubrificação.

A coleta em si dura poucos segundos — mas o desconforto costuma vir da combinação de exposição corporal e pouca comunicação durante o procedimento. Para muitas mulheres, esse conjunto é suficiente para evitar ou adiar o exame, o que reduz as chances de diagnóstico precoce.

Já o teste molecular de DNA-HPV usa praticamente o mesmo tipo de coleta. O que muda é o que o laboratório analisa: em vez de procurar lesões já instaladas, ele identifica a presença do vírus que pode causar o câncer. Isso permite detectar o risco antes que alterações apareçam, com maior precisão e intervalos mais longos entre os exames (cinco anos, quando o resultado é negativo).

A grande mudança em termos de experiência da paciente está na possibilidade de autocoleta. Em contextos específicos — como para mulheres que evitam o exame por dor, vergonha, histórico de violência ou barreiras de acesso — a própria paciente pode coletar o material, seguindo orientação profissional, sem a necessidade do espéculo.

Essa diretriz foi aprovada pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) e pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que avalia tecnologias no SUS. Além de ampliar o alcance em regiões com menor cobertura, a autocoleta responde a um ponto central da discussão sobre o cuidado: o exame preventivo não precisa ser vivido como uma invasão ou desconforto inevitável.