Saudade do toque e do cheiro: casais contam histórias de amor em meio à pandemia
Fomos investigar como estão os relacionamentos de quem vive nas bordas da cidade de São Paulo. Quatro casais contam como é viver o amor em tempos de pandemia. Confira!
Por Redação
12|06|2020
Alterado em 12|06|2020
por Mayara Penina e Jéssica Moreira
Todo dia tem conteúdo no Nós, mulheres da periferia. Desde o início da pandemia causada pela Covid-19, no entanto, essas matérias e vídeos nem sempre trazem boas notícias. Tem sido difícil assimilar esses tempos, principalmente na periferia, onde os acontecimentos batem com mais força.
Apesar disso, continuamos acreditando que amar é um ato de resistência. Por isso, neste dia 12 de junho, marcado como Dia dos Namorados, Namoradas e Namorades no Brasil, resolvemos investigar e contar como estão os relacionamentos de quem vive nas bordas da cidade de São Paulo.
Como tem lidado com a distância quem mora em casas separadas e depende do ônibus ou do trem para se encontrar? É importante dizer que o transporte coletivo é um ambiente com alto risco de contaminação, seja pela lotação ou pela falta de ventilação, segundo a Associação Internacional de Transporte Público (UITP).
Conheça a história de Lívia Lima e Bruno que gastam cerca se 72 km para se encontrar, contando ida e volta, de Artur Alvim, na zona Leste, até Interlagos, na zona sul. O que salva? “É que os dois têm carro”, conta Lívia.
E quando uma parte do casal pode fazer o isolamento social e a outra precisa trabalhar nos serviços essenciais? É o caso, por exemplo, de Adriana Santana, 31, fisioterapeuta que está há mais de 40 dias sem ver a mulher que ama, Raphaella Rosa, 23, moradora de Guarulhos (Grande São Paulo).
Mesmo em meio às incertezas da vida, há aqueles que tomaram a decisão de dividir a vida e passar a quarentena debaixo do mesmo teto. Como será que tem sido a convivência 24h por dia? É o que conta os artistas Caroline Alves, 20, é Wellington Cândido, 27, de Perus, região noroeste de São Paulo, que são parceiros de vida e de trabalho e estão lidando juntos com os desafios de ser artista na periferia em tempos de crise.
E quem, por algum motivo, está em outro país, longe de seu amor? É o que conta a jornalista Jéssica Moreira, 29, e o analista de mercado Diego Acedo, 31, que viveram uma relação à distância por três meses durante a quarentena e, com a chegada dele do Chile a Perus, irão passar a celebração dos namorados de máscara, só olhando da janela ou do portão até o isolamento dele acabar.
Confira as histórias desses quatro casais! Feliz dia a vocês!
Namorar uma profissional da saúde
Adriana Santana, 31, fisioterapeuta, mora no Jardim São Luis, zona sul e Raphaella Rosa, 23, assistente jurídico, é moradora de Guarulhos, na Grande São Paulo.
Raphaella e Adriana estão há mais de 40 dias sem se ver
©Arquivo pessoal
Foi em meio ao ato das Mulheres Negras Latinoamericanas e caribenhas de 2019 que Adriana Santana e Raphaella Rosa, duas mulheres negras, sorriram uma para a outra e, logo depois, se apaixonaram.
“Daí trocamos contato e conversamos, saímos algumas vezes, até que, num samba, a gente se beijou”, relembra Raphaella. Vivendo todos os dilemas da pandemia à distância, há mais de quarenta dias sem se ver, a maior dificuldade para elas tem sido: “lidar com a saudade do toque, do cheiro, dos carinhos.”
O carinho atravessado pelas telas tornou-se rotina no dia a dia do casal. “Para lidar com a distância, nós conversamos com frequência e fazemos chamada de vídeo quase toda noite até ela dormir”, conta Raphaella. Já para Drica, a distância é a maior inimiga. “Não poder encontrar deixa as coisas mais difíceis”, diz.
Outro ponto que deixa a vida do casal ainda mais intrincada é estar distante em um momento tão difícil, em que o medo é uma constante, principalmente para a população negra.
Segundo dados do boletim epidemiológico da Prefeitura de São Paulo de 30 de abril, pretos têm 62% mais chance de morrer por Covid-19 quando comparado aos brancos. Os pardos têm 23% mais risco.
Adriana, como profissional de saúde, sente-se muito aflita. “Me aflige ver que não tem atendimento digno pra todo mundo e saber que tem muitas pessoas contaminadas sobrecarrega a qualidade do atendimento. A população preta e periférica é a mais afetada nisso”.
Elas alertam, ainda, para outra dificuldade enfrentada pela comunidade LGBTQI+ no contexto da pandemia: possibilidade de passar a quarentena em lugar que não há acolhimento e respeito. “O maior desafio com pessoas que inviabilizam a sua vivência ou que talvez nem saibam que você é LGBTQI+ porque você não se sente seguro para compartilhar”, alerta.
Uma pesquisa da UFMG e Unicamp aponta que a população LGBT está mais vulnerável ao desemprego e depressão em decorrência da pandemia. Das 10 mil pessoas entrevistadas, 28% receberam diagnóstico prévio de depressão e 21,6% estão desempregados.
À distância duas vezes
Jéssica Moreira, 29, jornalista, e Diego Garcia Acedo, 30, analista de mercado, moradores de Perus
Com a pandemia, os planos do casal mudaram e aguardam para se encontrar
©Arquivo pessoal
“Me apaixonei pelo Diego à segunda vista. Isso porque nós sempre fomos vizinhos e fizemos, inclusive, a catequese na mesma Comunidade Eclesial de Base (CEB), em Perus, região noroeste de São Paulo. Vinte anos mais tarde, começamos a namorar, por intermédio de um amigo e pela constante troca de olhares na estação de trem. Passados 8 meses do início de nosso namoro, ele foi convidado a trabalhar no Chile. Experimentamos, pela primeira vez, a angústia da distância. Afinal, moramos a três minutos da cada um do outro. As redes sociais, os memes e mensagens no meio do dia foram um paliativo para se adaptar à nova rotina. Mas a verdade é que namorar a distância é um negócio muito duro. Chegamos até a tentar assistir filmes dividindo a tela um com o outro, mas a internet aqui na quebrada não ajuda muito. No começo de 2020, decidi me mudar para o Chile para unir amor e revolução, já que o país vivia uma efervescência social. No dia 17 de março, esses sonhos foram interrompidos pela pandemia causada pela Covid-19”.
O relato é de Jéssica Moreira, umas das jornalistas fundadoras do Nós. Jéssica e Diego então, tiveram que passar três meses longe, mantendo contato virtual e lidando com a saudade e até mesmo com um possibilidade de um lockdown geral nos aeroportos.
O máximo que a gente faz é se encontrar na distância. Portão, sacada, janela. O batido ditado ‘tão perto, mas tão distante’ virou real aqui”.
Neste mês, Diego voltou para Perus e está em quarentena. “Ainda não podemos nos abraçar ou se beijar. O máximo que a gente faz é se encontrar na distância. Portão, sacada, janela. O batido ditado “tão perto, mas tão distante” virou real aqui”, brinca Jéssica. No dia 13 de junho acaba a quarentena de Diego. “Dia dos Namorados para a gente não poderá ser dia 12, mas será no 13 de junho, Dia de Santo Antônio, o casamenteiro”.
Vivendo a vida de artista juntos
Caroline Alves, 20, e Wellington Cândido, 27, ambos arte-educadores, atores e moradores de Perus
Caroline e Wellington estão passando juntos os desafios da quarentena
©Jéssica Moreira
Caroline Alves e Wellington Cândido se conheceram por meio da arte. Foi em uma oficina de teatro no bairro de Perus, região noroeste de São Paulo, onde os dois se viram pela primeira vez e onde, atualmente, moram e trabalham como atores e arte-educadores.
“Nós nos conhecemos assim, mas não começamos a nos relacionar de primeira”, conta Caroline. E Wellington completa: “a gente foi criando um laço de amizade e conforme o tempo foi passando o laço foi também aumentando”. Durante mais de um ano, foram apenas amigos e, somente em julho de 2018, iniciaram uma relação de namoro.
Mesmo morando próximos um do outro, com o início da quarentena, sentiram que seria muito difícil permanecer separados por muitos dias. “No começo da quarentena criamos uma dinâmica de evitar circulação. Então, eu ficava uma semana na minha casa e outra na casa dele. Ou, às vezes, uma ou duas semanas separados. Isso estava sendo bastante difícil. Foi quando a gente decidiu passar o período da quarentena junto na mesma casa e também para evitar circulação e não se colocar em risco”, conta Caroline.
Por incrível que pareça, uma das maiores dificuldades dos dois é encontrar brechas de tempo para estar junto na rotina da quarentena.
“Temos feito muitas coisas, e, às vezes, acontece de estar com uma pessoa que você ama, debaixo do mesmo teto e não sobra tempo para estar junto com qualidade”, é o que reflete Caroline.
Ambos são universitários e trabalham em um grupo de teatro, o Pandora, e precisam correr contra ao tempo para se candidatar em editais, uma vez que a vida de artista ficou também na incerteza diante da pandemia.
“Nesse momento, temos buscado se redescobrir dentro da nossa profissão. Como que se faz teatro em um momento de distanciamento social? Acho que descobrir essas estratégias tem sido um grande desafio”, aponta Caroline.
O setor cultural chega a corresponder a 2,64% do PIB (Produto Interno Bruto), conforme o “Atlas Econômico da Cultura Brasileira”, lançado pelo Ministério da Cultura em 2017. Estima-se que o prejuízo provocado pelos cancelamentos da quarentena ultrapasse os R$100 bilhões
“A pandemia mostrou como as políticas públicas voltadas à periferia são escassas. Muitos editais já foram cancelados e outros são por meio de iniciativas privadas. Nesse contexto, precisamos de mais políticas públicas. Se não for por meio de doações, sindicatos e cooperativas, alguns artistas não vão conseguir se manter. A gente tem se mantido com dinheiro próprio do fundo do grupo que trabalhamos. Nossa única solução neste momento”.
São 72 km ida e volta
Lívia Lima, 33, jornalista, Artur Alvim, zona leste, Bruno Pavan, 32, jornalista, mora em Interlagos, zona sul de SP
Lívia e Bruno moram a 72 km de distância um do outro
©Arquivo pessoal
“Nos conhecemos em uma balada, cada um estava com seu grupo de amigos. Bruno me adicionou no Facebook para pedir uma entrevista sobre o Nós para o jornal que trabalhava (Brasil de Fato). Após dois anos a gente começou a conversar mais pela internet por causa do show do Rolling Stones que tínhamos ido”, conta Lívia, também uma das jornalistas fundadoras do Nós.
Mas foi a paixão pelo time do coração, o Corinthians, que começaram a sair, logo após um jogo do alvinegro Paulista na Arena Itaquerão.
Para Lívia e Bruno, o mais difícil de morar longe é perder um pouco da convivência diária de um casal. “Antes da pandemia já era difícil, a gente se encontrava só no fim de semana. Com a quarentena, a única forma da gente se ver é indo um na casa do outro”, relatam. Da zona sul até a zona leste são 72 km somando ida e volta.
O casal tem feito, então, um revezamento com todos os cuidados necessários. A cada final de semana um se desloca para a casa do outro.
“É difícil, mas ainda acho que temos sorte, porque temos privilégio de termos carro e podermos fazer esse percurso em segurança, do contrário, não sei se íamos conseguir nos ver durante esse período. Nos sentimos seguros porque cada um está trabalhando em sua casa, em isolamento, então não estamos colocando um ao outro em risco”, narra Lívia.