carro da polícia militar

São Paulo tem alta de 120% em de mortes de crianças e adolescentes por intervenções policiais

Estudo mostrou que o aumento está ligado a mudanças nos protocolos de uso das câmeras corporais no estado

Por Beatriz de Oliveira

20|05|2025

Alterado em 20|05|2025

Entre os anos de 2022 e 2024, o estado de São Paulo registrou um aumento de 120% no número de mortes de crianças e adolescentes em decorrência de intervenções policiais. A alta ocorreu em paralelo com mudanças nos protocolos de uso das câmeras corporais. O dado é da pesquisa “As câmeras corporais na Polícia Militar do Estado de São Paulo (2a. edição): mudanças na política e impacto nas mortes de adolescentes”, feita pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O uso de câmeras corporais em policiais no estado de São Paulo foi implementado em 2020, a partir do Programa Olho Vivo, passando por mudanças significativas com a troca de mandato do governo do estado, como a retirada da necessidade de gravação ininterrupta.

Segundo Paula Marques, oficial de avaliação e monitoramento Unicef, o estudo traz dois alertas importantes. “O primeiro é sobre o aumento muito preocupante no número de mortes pela polícia no estado, de mais de 150% entre os anos de 2022 e 2024. E o segundo é que crianças e adolescentes são afetados pelo fenômeno de forma desproporcional; 34% das mortes violentas de crianças e adolescentes no estado de São Paulo são cometidas por policiais, enquanto entre os adultos esse percentual é de 18%”, pontua.

Em números absolutos, 77 crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos foram mortas em intervenções policiais em 2024 – mais que o dobro registrado em 2022. O cenário é oposto ao verificado na primeira edição da pesquisa, que analisou a implementação do Programa Olho Vivo. Na época, se registrou queda de 66,3% nas mortes de crianças e adolescentes de entre 2019 e 2022.  A piora da situação impacta diretamente as famílias dessas crianças, em especial as mães, que em muitos casos, são periféricas e exercem a maternidade solo. 

“O relatório reforça que as câmeras corporais sozinhas não funcionam. Mesmo com o programa Olho Vivo ativo no estado, outras políticas associadas a esse programa também sofreram mudanças e isso impactou no aumento das mortes de crianças e adolescentes”, afirma Paula.

As organizações que realizaram a pesquisa defendem que as gravações sejam ininterruptas, assim como era no início do programa – atualmente, precisam ser acionadas terceiros. Paula destaca que há comprovação de que se a câmera corporal só começa a gravar depois do do acionamento do policial ou da de por uma equipe remota, ela tende a ser menos usada.

“Se a gente tiver tanto câmeras corporais quanto políticas de correção de uso da força que funcionem e sejam incentivadas pelo poder público, a gente consegue reduzir as mortes causadas pela polícia, tanto entre adultos, quanto entre crianças e também dos próprios policiais”, diz.

Outro ponto trazido pela pesquisa é em relação ao perfil racial das vítimas da letalidade policial. Enquanto enquanto a taxa de mortalidade entre crianças e adolescentes brancos foi de 0,33 para cada 100 mil, entre os negros o índice chegou a 1,22. Sendo assim, crianças e adolescentes negros são 3,7 vezes mais vítimas em intervenções letais da Policia Militar do estado.

“Isso é um reflexo, não só dessas mudanças das políticas, mas de um racismo que perpassa toda a sociedade e que afeta a criança desde a primeira infância. É preciso, então, um esforço de toda a sociedade para implementar políticas e práticas antirracistas em todos os serviços. Na polícia, especificamente, é importante que esse tema seja abertamente abordado nos programas de formação e de monitoramento dos policiais “, afirma a pesquisadora.