
Rosyane Silwa: ‘mães pretas, muitas vezes, empreendem por necessidade, não por escolha’
Em entrevista ao Nós, mulheres da periferia, a CEO e matrigestora da Compre de Uma Mãe Preta fala sobre os desafios e potências de mulheres negras e mães no ramo do empreendedorismo
Por Beatriz de Oliveira
08|05|2025
Alterado em 08|05|2025
Se empreender já é um desafio considerável, imagine empreender sendo uma mulher negra e mãe no Brasil? Foi considerando esse cenário que as amigas Rosyane Silwa, mãe de Nzinga, e Tuanny Miller, mãe de Betânia, criaram a Compre de Uma Mãe Preta, plataforma que fomenta e dá visibilidade aos negócios de mães negras empreendedoras.
Uma pesquisa de 2023 do Instituto Rede Mulher Empreendedora (IRME) mostrou que 77% das mulheres começaram a empreender depois da maternidade. Além disso, 70% das empreendedoras brasileiras são mães e a maioria delas iniciou seus negócios por necessidade.
Em entrevista ao Nós, mulheres da periferia, Rosyane Silwa, CEO e matrigestora da Compre de Uma Mãe Preta, fala sobre os desafios e potências de mulheres negras e mães no ramo do empreendedorismo, e dá dicas para aquelas que querem começar um novo negócio.
Confira!

Rosyane Silwa e Tuanny Miller
©arquivo pessoal
Nós, mulheres da periferia: Como surgiu a ideia de criar a Compre de Uma Mãe Preta? E como foi esse processo inicial?
Rosyane Silwa: A Compre de Uma Mãe Preta nasceu do encontro entre duas mulheres pretas — ex-cunhadas, amigas, mães, empreendedoras, fazedoras de coisas e cheias de sonhos: eu, Rosyane Silwa, mãe de Nzinga, e Tuanny Miller, mãe de Betânia. A gente já sentia na pele o quanto é difícil movimentar a cultura e criar espaços para empreender sendo mãe e sendo preta. Durante a pandemia, muitas mães perderam suas fontes de renda e começaram a vender o que sabiam fazer para sustentar suas casas. A gente olhou pra isso e pensou: e se a gente criasse uma rede onde essas mães fossem valorizadas e tivessem visibilidade de verdade? Começamos no Instagram e no Facebook, conectando compradoras com mães empreendedoras. Hoje, somos um ecossistema com marketplace, clube de benefícios, rede de apoio e muita troca.
Resgatamos a tecnologia ancestral do mercado, afrocentramos nossos processos com referências à cultura negra: o panteão dos orixás, palavras em iorubá, kimbundu e símbolos como os Adinkra. Pensamos nas nossas ancestrais — as donas dos mercados, quituteiras, negras de ganho, aguadeiras, as que movimentavam as feiras, compravam alforrias e criavam irmandades potentes, como a Irmandade da Boa Morte. Criamos a Kitanda da Compre, o primeiro marketplace afrocentrado voltado exclusivamente para produtos e serviços de mulheres mães empreendedoras.
Nós, mulheres da periferia: Quais as maiores dificuldades encontradas por mulheres negras e mães ao iniciar um negócio próprio?
Rosyane Silwa: Falta de grana, de tempo e de rede de apoio. Mães pretas, muitas vezes, empreendem por necessidade, não por escolha. Elas estão sobrecarregadas com o cuidado dos filhos, muitas vezes sozinhas, sem suporte emocional, logístico ou financeiro. Além disso, têm menos acesso a crédito, formação e oportunidades. O racismo e o machismo estruturais dificultam até que a gente seja levada a sério como empreendedora. Mas seguimos, porque é também um ato de sobrevivência e de resistência.
Nós, mulheres da periferia: Diante da experiência vivida na Compre de Uma Mãe Preta, quais são as maiores potências das mães negras empreendedoras?
Rosyane Silwa: A criatividade, a força e a capacidade de fazer muito com pouco. Mães negras empreendedoras não vendem só produtos, elas criam soluções, geram renda e transformam suas comunidades. Elas sabem cuidar, negociar, criar, comunicar, resistir e se reinventar. Reforçam que empreender é ancestral, sem romantizar, porque é muito difícil. Mas a gente vê isso todos os dias na nossa rede: a potência de mulheres que não desistem, mesmo quando o mundo parece não enxergá-las.
Nós, mulheres da periferia: Por que é importante apoiar o afroempreendedorismo?
Rosyane Silwa: Porque o afroempreendedorismo é um caminho real de transformação social. Quando você apoia um negócio de uma mulher preta, você movimenta a economia da favela, fortalece famílias, reconhece saberes e rompe com desigualdades históricas. Porque é uma forma concreta de combater o racismo estrutural e promover justiça social. Quando você apoia o afroempreendedorismo — especialmente o de mulheres pretas e mães — você movimenta a economia de base, fortalece territórios periféricos, valoriza saberes ancestrais e ajuda a romper ciclos de exclusão.
Esse apoio está diretamente ligado a vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Por exemplo, a “ODS 1 – Erradicação da pobreza”, porque empreender é muitas vezes a única fonte de renda para essas famílias, a “ODS 5 – Igualdade de gênero”, pois estamos falando de mulheres que enfrentam uma tripla jornada, a “ODS 8 – Trabalho decente e crescimento econômico”, já que muitas mães estão criando negócios sustentáveis e empregando outras mulheres, a “ODS 10 – Redução das desigualdades”, porque apoiar esses empreendimentos é redistribuir recursos e oportunidades, e até o “ODS 3 – Saúde e bem-estar”, porque quando uma mãe preta tem renda e autonomia, ela melhora a qualidade de vida da sua família inteira.
Apoiar o afroempreendedorismo é investir em um futuro mais justo, mais coletivo e verdadeiramente sustentável. É sobre justiça, mas também sobre futuro — o futuro das nossas crianças. Fortalecer o empreendedorismo de mães pretas é garantir que nossas crianças pretas possam viver, sonhar e ser quem elas quiserem ser. O Brasil só vai avançar de verdade quando todas nós avançarmos juntas.
Nós, mulheres da periferia: Pode dar dicas para mães que querem começar a empreender?
Rosyane Silwa: Comece com o que você tem e com o que você sabe. Não espere o cenário ideal, ele raramente existe. Busque apoio, nem que seja uma rede pequena, mas que te escute e te fortaleça. Valorize sua história e seus saberes, eles são parte do seu diferencial. E, sempre que puder, se conecte com outras mães empreendedoras. Porque juntas a gente vai mais longe, mais forte e com mais sentido. Vem pra Compre de Uma Mãe Preta e se aquilombe com a gente! E, por fim: lembre que o seu tempo é diferente. A maternidade impõe outros ritmos — respeite o seu processo. Você está criando mais do que um negócio, está criando possibilidades.