Rebecca Aletheia criou coletivo que conecta mulheres negras viajantes

Ao promover tour e viagens coletivas, a Bitonga Travel incentiva mulheres negras a desbravarem o mundo

Por Beatriz de Oliveira

18|07|2025

Alterado em 18|07|2025

Rebecca Aletheia se define como uma “cidadã do mundo”, já visitou 50 países e conhece todos os 26 estados brasileiros. Criou um coletivo de mulheres negras viajantes chamado Bitonga Travel, a partir de uma viagem com um grupo de mulheres para o Guarujá, litoral de São Paulo, em 2019. O termo “bitonga” se refere a um povo da região de Inhambane, em Moçambique, representando a diversidade cultural que o projeto abraça; já “travel” significa viagem em inglês.

“Nós entendemos que mulheres negras estão doentes por não terem tempo de viajar, passear, porque muitas vezes nós estamos imersas no nosso cotidiano e em tentar suprir a demanda que o sistema nos dá, de ser 10 vezes melhor. E nós, como a base da pirâmide, estamos ali trabalhando, mas esquecendo realmente de viver, de ter prazer e desfrutar da vida”, afirma Rebecca.

Atualmente, mais de 250 mulheres fazem parte do coletivo. Entre elas, há diversidade de gerações, chegando a ter senhoras com mais de 80 anos de idade que marcam presença nas viagens. Entre os objetivos da plataforma, está o de compartilhar histórias de mulheres negras que viajam, a fim de incentivar outras a fazerem o mesmo.

Egito, África do Sul e Jamaica são alguns dos próximos destinos previstos do grupo. “Mais do que viajar, é [importante] que a gente entenda a nossa origem e onde estamos, para conseguir pensar para onde vamos”, diz.

Além dos destinos internacionais, o território brasileiro também é explorado pelas viajantes. Entre as atividades conduzidas por Rebecca, estão os tours afrocentrados, que focam no protagonismo negro na construção das cidades.

Turismo afrocentrado

No dia 9 de julho, a reportagem do Nós, mulheres da periferia acompanhou um desses tours. Junto a um grupo de oito pessoas, passamos três horas andando e aprendendo sobre o protagonismo negro e indígena na cidade de São Paulo (SP).

O tour começou na Liberdade, região central. Lá, os participantes conheceram, por exemplo, a história de Chaguinhas, um cabo negro condenado à morte por ter liderado uma revolta pelo pagamento de salários atrasados no Exército brasileiro no ano de 1821. No entanto, no momento do enforcamento, a corda que o mataria arrebentou três vezes, o que resultou num pedido de “liberdade” pelas pessoas que assistiam ao ato. Daí vem o nome do bairro Liberdade.

A cada ponto de parada do tour, uma nova história ou reflexão era dita por Rebecca Aletheia. Num dos pontos, em razão de ser feriado da Revolução Constitucionalista, ela contou sobre Maria Soldado, mulher negra, filha de escravizados, que lutou no movimento armado ocorrido em São Paulo contra o governo de Getúlio Vargas e por uma redemocratização do Brasil.

Mais à frente, ao parar no Monumento Glória Imortal dos Fundadores de São Paulo, que representa em sua base figuras de indígenas em trabalho braçal após serem catequizados, Rebecca convidou os participantes a refletirem sobre quem, de fato, construiu essa cidade, e que a mantém de pé até os dias de hoje.

À primeira vista, três horas de tour podem parecer tem demais, mas a “viagem” é fluida, passa por reflexões entre passado e presente, trocas entre os participantes e até dicas de rolês e restaurantes pela região. Além da cidade de São Paulo, o coletivo Bitonga Travel já realizou tours como esse no Rio de Janeiro (RJ) – na região conhecida como Pequena África – e em Ouro Preto (MG).

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Rebecca Aletheia conduz tour afrocentrado © Beatriz de Oliveira

O tour começou na Liberdade, região central

Rebecca Aletheia conduz tour afrocentrado © Beatriz de Oliveira

Rebecca Aletheia conduz tour afrocentrado © Beatriz de Oliveira

Imagem de Maria Soldado © Beatriz de Oliveira

Rebecca Aletheia conduz tour afrocentrado © Beatriz de Oliveira

Rebecca Aletheia conduz tour afrocentrado © Beatriz de Oliveira

Monumento Glória Imortal dos Fundadores de São Paulo © Beatriz de Oliveira

A cada ponto de parada do tour, uma nova história ou reflexão era dita por Rebecca Aletheia. © Beatriz de Oliveira

Rebecca Aletheia conduz tour afrocentrado © Beatriz de Oliveira

Rebecca Aletheia conduz tour afrocentrado © Beatriz de Oliveira

Rebecca Aletheia conduz tour afrocentrado © Beatriz de Oliveira

Rebecca Aletheia criou um coletivo de mulheres negras viajantes © Beatriz de Oliveira

“Ter esses espaços de turismo dentro da própria cidade possibilita promover o afroturismo e dar possibilidades para que pessoas que não viajam, ou que tem medo de viajar, entendam que a cidade é o nosso território”, afirma Rebecca.

Para a guia de turismo, conhecer a cidade em que se vive por uma lente afrocentrada também traz um sentimento de pertencimento. “As cidades de todo o Brasil têm histórias negras, então, quando trazemos essas narrativas da nossa história, entendemos que estamos potencializando para que mulheres negras sejam melhores e possam olhar suas histórias como protagonistas” diz.

Dessa forma, o afroturismo se coloca como contraponto do turismo tradicional, que, segundo a guia, geralmente tem caráter racista por dar visibilidade apenas à história do ponto de vista dos colonizadores.

Por fim, Rebecca deixa um recado para mulheres negras que ainda não se tornaram viajantes: “Se planeje, se organize e coloque isso como uma prioridade. Vá sozinha, vá acompanhada, não importa. Mas vá.”