Qual a diferença entre aproveitar oportunidade e ter poder de escolha?

A colunista Lana Souza reflete sobre nossas oportunidades e poder de escolha. O quanto uma jovem preta e periférica pode escolher? "Estar no Youtube hoje é o meu poder de escolha. E você? Qual a sua atual escolha possível?

30|08|2021

- Alterado em 31|08|2021

Por Redação

Andei pensando sobre isso um tempo atrás e gostaria de compartilhar essas reflexões. É claro que as duas opções podem e devem ser utilizadas, a questão mesmo está em não ter acesso a uma delas. Dizer “não” para uma oportunidade que nos aparece, não pode ser considerado inconsequência, absurdo, irresponsabilidade. Esse “não” deveria ser encarado como maturidade e poder de escolha, poder de entender a sua própria vida e saber o que é o melhor para si.

Imagine uma adolescente de 17 anos, com o Ensino Médio recém concluído, entrando no mercado de trabalho, sem experiência e com poucas habilidades específicas. O que ela fará nessa fase da vida? A resposta realista: trabalhar como operadora de telemarketing. Crise de choro no primeiro atendimento. Trabalhar com telemarketing foi a OPORTUNIDADE que apareceu. Óbvio, trabalhar e ajudar em casa era importante. Ela foi lá e aproveitou, mas ela não teve escolha. Ser operadora de telemarketing não é o problema, ser a única opção na vida dessa jovem, sim.

Essa jovem foi crescendo e seguindo a mesma ideia de “agarrar as oportunidades” fez de tudo, até curso de estética. Mas sempre gostou mesmo das oportunidades ligadas a comunicação, até faculdade ela conseguiu fazer (com a oportunidade de uma bolsa integral de estudos). Veja, ela fez faculdade porque apareceu a oportunidade, mas também porque era um desejo dela. Essa jovem sou eu. Hoje jornalista de formação e apaixonada por contar histórias. Mas eu poderia não ter feito, poderia ter escolhido outras coisas para a minha construção.

Ao longo da minha vida tive muito apoio das pessoas que estão ao meu redor, tive uma rede incrível que sempre me fortaleceu e mostrou o potencial que existia em mim. Isso foi essencial para que eu aprendesse que eu poderia conhecer muitas coisas e isso me daria poder de escolha. Isso fez eu chegar em um momento e decidir me tornar youtuber. Isso mesmo. Aquela jovem de 17 anos que só teve como opção trabalhar em uma profissão que não era a que ela almejava – mesmo sem muitas opções, ela sempre soube que seria jornalista – hoje enxerga que fazer vídeos para o Youtube é um ESCOLHA POSSÍVEL, um experimento pessoal que pode ser muito legal e pode de alguma maneira mostrar para outras jovens que apesar de muitos atravessamentos, de racismo, machismo, preconceito de classe, é possível ampliar horizontes e se permitir experimentar novas possibilidades.

Estar no Youtube hoje é o meu poder de escolha. Eu poderia escolher escrever um livro, eu poderia criar um podcast, poderia fazer resumos dos assuntos que quero falar como postagens nas redes sociais e eu poderia também escolher não fazer nada disso. Não fazer também é poder de escolha. Mas escolher não fazer, só é poder quando você reconhece as possibilidades e não quando você nem imagina o que poderia ser viável.

No primeiro episódio do canal, optei por começar falando sobre conforto sem constrangimento, um assunto que sempre me incomodou, sempre tive medo de falar das pequenas coisas boas que estava experimentando na vida. Achava não ser justo, imoral, mas hoje percebo que minhas vivências tem fundamento, tem luta, tem muito suor e trabalho. Mostrar para outras pessoas que, com responsabilidade e planejamento é possível realizar sonhos e projetos pessoais tem sido a melhor possibilidade que encontrei para ser quem eu gosto de ser. Mas ser youtuber é só a primeira etapa de um sonho muito maior: Abrir o meu próprio canal de TV aberta com conteúdos para pessoas pretas e faveladas, feito por pessoas pretas e faveladas. Não tô falando de um canal virtual com programação 24 horas por dia, eu estou falando de TV ABERTA. Não sei quanto tempo vai demorar para isso acontecer, mas não estou preocupada com o tempo, pois aprendi que vivenciar o processo até isso se tornar realidade também é importante. Ter esse objetivo, também é um poder de escolha. Enquanto isso, eu estarei toda sexta lançando vídeo novo no Youtube para compartilhar minhas vivências com o mundo. Vai que inspiro alguém a enxergar as suas próprias possibilidades. Nunca saberemos até que aconteça.

Eu escolhi experimentar ser Youtuber. E você? Qual a sua atual escolha possível?


Image

Lana Souza.

Jornalista de formação e comunicadora popular. Administradora do Coletivo Papo Reto, que atua no Rio de Janeiro pautando direitos humanos nas favelas a partir da comunicação e educação

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.