CAPS

Psicólogas falam sobre tratamento de transtorno do jogo no CAPS

Em agosto, foi sancionada em São Paulo lei que estabelece tratamento especializado para pessoas com vício em jogos de azar nos CAPS

Por Beatriz de Oliveira

23|09|2025

Alterado em 23|09|2025

No dia 22 de agosto, entrou em vigor no estado de São Paulo a Lei 18.186/25, que estabelece tratamento especializado para pessoas com vício em jogos de azar nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Para as psicólogas Bruna Lopes e Domênica Faria, do projeto Aposta Incerta, a medida pode ser positiva desde que seja bem executada.

Os CAPS são serviços ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS) que atendem às necessidades de saúde mental das pessoas, especialmente focados em ajudar em situações difíceis ou no processo de reabilitação psicossocial.

O texto não define prazo para aplicação, há apenas a especificação que o Poder Executivo regulamentará essa legislação, que cria o “Programa Estadual de Conscientização e Tratamento aos Malefícios dos Jogos de Apostas Online e Cassinos Físicos”. O projeto define que os CAPS deverão ser capacitados tecnicamente para atender pacientes com dependência de jogos de azar, por meio de:

Capacitação de profissionais especializados em dependência comportamental, como psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, com enfoque no tratamento do vício em jogos de azar;

Criação de programas de tratamento em grupo, que ofereçam suporte contínuo, promovendo a recuperação e a reintegração social dos dependentes.

“Essa lei é muito importante, porém precisa ser observada a forma como isso será feito, se serão profissionais capacitados que darão essas formações”, pontua Domênica Faria, psicóloga especialista em terapia comportamental.

Ela explica que o atendimento no CAPS se dá por meio de um acolhimento na unidade, com o objetivo de compreender as necessidades do paciente, e de um Projeto Terapêutico Singular (PTS), que define como será feito o tratamento.

Atualmente, em nível nacional, existem CAPS especializados para pessoas que apresentam intenso sofrimento psíquico decorrente do uso de álcool e outras drogas. Há ainda aqueles focados no atendimento de crianças e adolescentes. Já os CAPS I, II e III atendem pessoas de todas as faixas etárias que apresentam problemas mentais graves e persistentes. Vale pontuar que a nova lei vale para o estado de São Paulo e não para todo o território nacional.

Para a psicóloga Bruna Lopes, que desenvolve doutorado sobre o tratamento de transtorno do jogo, os CAPS – mesmo sem a especialização em transtorno do jogo – são um dos locais de referência aos quais a população pode procurar apoio gratuito para o vício em jogos de azar online.

“Mas, só procurar esse tipo de alternativa não é suficiente, é importante que se tenha um trabalho direcionado a essa população. Eu acredito que já era hora, inclusive, de ter esse tipo de intervenção, em que as pessoas que trabalham no CAPS sejam capacitadas para atender esse público”, diz.

Jogos de azar online e saúde mental 

Há aumento considerável de casos de vício em jogos de azar no sistema público de saúde. Dados do SUS mostram alta de atendimentos ambulatoriais relacionados a “transtorno do jogo” e “mania de jogos de aposta”. Em 2018, foram 111 casos registrados, já em 2024 o número foi de 1.292. 

Domênica Faria explica que o transtorno do jogo “é quando a pessoa desenvolve um padrão problemático com o jogo com prejuízos financeiros e emocionais, além da   sensação de descontrole, ao não conseguir controlar a maneira com que lida com os jogos”. 

Segundo o Programa de Transtornos do Impulso (Pro-Amiti), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo (SP), alguns comportamentos típicos do jogador compulsivo são:

Tem necessidade de jogar com quantidades cada vez maiores de dinheiro, a fim de obter a excitação desejada;

Fica agitado ou irritado quando tenta diminuir ou parar de jogar;

Depois de perder dinheiro no jogo, frequentemente volta a jogar para recuperar perdas;

Mente para esconder a extensão do envolvimento com jogos de azar;

Colocou em risco ou perdeu um relacionamento significativo, emprego ou oportunidade de educação ou carreira por causa do jogo.

Bruna Lopes atua no Pro-Amiti, que atende pessoas com transtorno do jogo, e pontua que o problema “vai muito além da questão financeira, podendo gerar impactos sérios na saúde mental. Inclusive, a maioria dos jogadores que nos procuram apresentam comorbidade, como ansiedade ou depressão, depois do envolvimento com o jogo de azar”.

Na reportagem “Ansiedade, irritação e abstinência: a realidade de mulheres viciadas em jogos de azar”, entrevistamos mulheres periféricas com transtorno do jogo. Entre elas, está Eva (nome fictício), que desenvolveu transtorno depressivo, déficit de atenção e hiperatividade após o contato com jogos de azar online. “Minha saúde mental está bem abalada, sinto desânimo, tristeza e revolta pelo que me aconteceu”, disse. 

Eva começou a jogar em 2023 e, em poucos meses, estava apostando valores cada vez mais altos. Para sustentar o vício, pediu dinheiro emprestado aos filhos, amigos e até agiotas. Durante um ano jogando, o prejuízo chegou a ao menos R$300 mil. À época da publicação da reportagem, fazia tratamento com um médico psiquiatra e afirmou que não sentia mais vontade de jogar, mas os traumas continuaram. “Me sinto sem rumo, ainda não consegui um trabalho, vivo de favor. Tem dias que eu tô melhor, tem dias que o mundo desaba; eu me lembro do que perdi e do que poderia ter feito”.

Procure ajuda

Caso você ou algum conhecido tenha problemas com jogos de azar e apostas online, procure ajuda gratuita nos CAPS ou em algum desses locais:

CAPS: para achar a unidade mais próxima de sua casa acesse o site da secretaria estadual da saúde ou da secretaria municipal de saúde da cidade onde mora,  ou ligue na Ouvidoria do SUS, no telefone 136, de segunda a sexta, entre 8h e 20h, e aos sábados, das 8h às 18h.

Jogadores Anônimos: irmandade que segue um programa de 12 passos para ludopatas, há reuniões online e presenciais em várias cidades; basta entrar em contato com os números disponíveis no site para ser atendido e direcionado para um grupo de reuniões.

Pro-Amiti: ambulatório do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo responsável por desenvolver estudos e tratamentos para quem apresenta transtornos do jogo; atende apenas em São Paulo (SP).

Centro de Valorização da Vida (CVV): oferece apoio emocional pelo telefone 188, chat e e-mail.