Princesas ou heroínas: há espaço para mulheres negras na CCXP?
Criadoras de conteúdo digital trazem um panorama sobre espaços para mulheres negras em eventos de cultura geek
Por Mariana Oliveira
01|12|2022
Alterado em 02|12|2022
Colecionáveis, histórias em quadrinhos, filmes, séries e videogames, são alguns itens que fazem parte da cultura geek, tendência atrelada ao entretenimento. A 19° Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia, divulgada em 2017, previa que, entre os anos de 2018 e 2022, os gastos com entretenimento no Brasil, cresceriam 5,3% ao ano (os número atuais ainda não foram divulgados).
Um dos acontecimentos que mostra a força desse público é a CCXP (Comic Con Experience), o maior evento de cultura geek do país. Desde 2014, anualmente o evento arrasta milhares de brasileiras e brasileiros. Com quatro dias de duração, a expectativa para a edição deste ano é receber mais de 300 mil pessoas.
A feira é um ponto de encontro para os amantes do entretenimento e reúne grandes nomes (nacionais e internacionais) do cinema, dos quadrinhos e muito mais. Este é um mercado em pleno crescimento, entretanto, a desigualdade na representatividade de gênero ainda é um desafio.
No mundo dos jogos online, por exemplo, há relatos de mulheres gamers que optam por se identificarem como homens para evitar discriminação. Para explicar como o mercado do entretenimento acolhe mulheres negras, conversamos com criadoras de conteúdo focados em literatura e cultura pop.
Milena Enevoada, criadora de conteúdo digital de literatura e cultura pop
Apaixonada por literatura, Milena Enevoada começou a produzir conteúdo para internet em 2013. O que a impulsionou foi a necessidade de conversar com mais pessoas sobre as reflexões de livros e o impacto da leitura em sua vida.
Para ela, suas redes sociais proporcionam ambientes confortáveis para mulheres negras criarem se medo. “Essa bolha de proteção é importante, porque ninguém cresce produzindo conteúdo sozinho”, conta.
A criadora observa que, atualmente, há um maior protagonismo negro na literatura e no audiovisual. Uma das razões, em sua opinião, é o aumento de personagens e influenciadores que fomentam esses artistas e autores.
Porém, alerta para a falsa representatividade. “Ainda sobressai as representações negativas, no lugar de vilão e estética raivosa. Incomoda colocar nossos corpos em lugares que a sociedade não quer que a gente esteja”.
Enevoada trabalhou por quase um ano no Omelete, veículo jornalístico focado em entretenimento e empresa responsável pela organização da CCXP. Durante este período, percebeu a forma como os conteúdos eram direcionados à ela. “Só falava sobre personagens pretos ou com protagonismo de pessoas pretas. É um grande privilégio, mas diz sobre o rótulo colocado em mim”. Comportamentos como esse, a motivaram construir sua comunidade.
Roberta Gurriti é bookstagramer, jornalista, autora e cinéfila
Não é diferente para Roberta Gurriti, criadora de conteúdo focado em livros (conhecido como bookstagram). Produzindo para internet desde 2014, enquanto mulher negra e baiana não se encontrava no protagonismo das histórias que consumia: “Eu queria ver personagens pretas como eu em todo o cenário: como heroína, pirata ou princesa”, lembra.
Ao comparar-se com outros influenciadores (brancos) do nicho, percebe diferenças no acolhimento do público fora da própria comunidade. “Fazemos projetos e, mesmo assim, não temos o devido reconhecimento. Ver o preto no topo é muito difícil. Dói, na branquitude ver os negros que tanto discriminou tendo voz na mesma proporção”, comenta.
Mesmo diante das injustiças, a influenciadora defende que mulheres negras sigam produzindo e consumindo entretenimento. “Se tivesse a chance de ter contato com a influenciadora que sou hoje, ou com as demais que acompanho, eu as teria como inspirações”.
Este ano, a CCXP retorna às atividades presenciais após dois anos, devido a pandemia. Enevoada será uma das apresentadoras no estande da Perifacon, levando um pouco da Comic Con das favelas à São Paulo Expo.
Roberta não estará em São Paulo no período, mas estimula meninas e mulheres a não sentirem medo de estereótipo. “Seja uma pequena sereia preta, esse espaço é para ser e fazer o que você quiser”, finaliza.