luto perinatal

 “Perder um filho é perder o futuro”: como acolher mães em luto perinatal?

O Nós, mulheres da periferia conversou com a psicóloga e especialista no assunto Fernanda Rangel, que apontou caminhos para lidar com esta dor materna

Por Bianca Pedrina

14|02|2025

Alterado em 14|02|2025

No último dia 2 de fevereiro, a cantora Lexa, de 29 anos, deu à luz sua filha Sofia com apenas 25 semanas de gestação, após um quadro grave de pré-eclâmpsia precoce. A bebê não resistiu e faleceu três dias depois, no dia 5.

Em suas redes sociais, Lexa compartilhou a dor desse momento, descrevendo o impacto físico e emocional da perda. “Um luto e uma dor que eu nunca tinha visto igual. Vivi os dias mais difíceis da minha vida”, escreveu a artista.

O relato de Lexa trouxe à tona uma experiência que muitas famílias enfrentam, mas que ainda é cercada de tabus: o luto perinatal. A perda de um bebê durante a gestação ou logo após o nascimento pode ter um impacto profundo na vida dos pais, gerando sentimentos de dor intensa, frustração e, muitas vezes, solidão.

Para muitas mães, como a própria cantora destacou, há também o choque do corpo ainda reagindo à gestação interrompida, como a produção de leite, aumentando a angústia do momento.

A fim de entender os desafios do luto perinatal e como buscar apoio nesse processo, o Nós conversou com a psicóloga Fernanda Rangel, especialista no assunto.

Ao contrário do que diz o senso comum, a profissional afirma que “é importante entender que o luto não deve ser superado, mas deve ser vivido para que cumpra a sua tarefa de ressignificar a história”. Confira a íntegra:

NÓS: O que é o luto perinatal e qual a diferença em relação a outros tipos de luto?

Fernanda: O luto é um misto de sentimentos, reações e comportamentos que acontecem em decorrência da perda de algo importante para a pessoa. No luto perinatal, estamos falando da perda de um bebê. Essa perda pode acontecer em qualquer fase da gestação, durante o parto ou logo após o nascimento. No luto perinatal, o que importa é o significado que o filho tem para a mãe, e pouco importa o tempo de gestação, se ele nasceu com vida ou o tempo de vida do bebê.

Infelizmente, o luto perinatal ainda é invisível, pois as pessoas acreditam que, se o bebê não nasceu com vida, ele não tem história, amor ou vínculo, e isso não é verdade. A história daquele bebê já começa muito antes da gestação, no planejamento de vida e nas tentativas do casal.

Uma questão específica do luto perinatal é sobre a dor do que não será possível viver com o bebê. Todo o planejamento e as expectativas que não poderão se realizar a partir daquela perda. Perder um filho é perder o futuro.

Quais são os principais desafios emocionais enfrentados por uma mãe que passa pelo luto perinatal?

São muitos. O primeiro é a falta de acolhimento e o reconhecimento social da maternidade e da existência daquele filho quando se perde um bebê. Depois, há o julgamento das pessoas sobre como e por quanto tempo viver esse luto. Além disso, há a dificuldade da sociedade em lidar com a realidade das “mães de anjo”, como, por exemplo, as frases que as pessoas acreditam estar consolando, mas não estão: “Daqui a pouco você terá outro” ou “Deus quis assim”.

Os gatilhos também são muito difíceis de lidar, como ver bebês e gestantes, participar de eventos relacionados à família, como batizados, festas infantis e Natal, e, principalmente, lidar com o que não será possível viver com o bebê.

Quais são os caminhos possíveis para lidar com esse tipo de luto?

Primeiro, é entender que é possível seguir em frente após a perda de um filho, mas que o luto é vivido de forma diferente por cada pessoa e que o tempo do luto é individual. É importante entender que ele não deve ser “superado”, como muitos pensam; ele deve ser vivido para que cumpra a sua tarefa de ressignificar a história vivida com o filho e aprender a conviver com a falta.

De que maneiras familiares e amigos podem agir para acolher uma pessoa que passa pelo luto perinatal?

A primeira coisa é não querer dar solução para o que não tem jeito. Não é preciso dizer o que a mãe deve ou não fazer. O mais importante é apoiar e auxiliar de acordo com as necessidades dela. E só quem pode dizer quais são essas necessidades são elas mesmas. Então, a melhor forma é perguntar o que elas precisam, se colocar à disposição para ajudar, escutá-las sem julgamentos e não repetir frases feitas.

Para aprofundar sobre o tema, a cartilha “Luto, perda gestacional e perda neonatal” traz mais informações para mães, parentes e amigos envolvidos nestas situações. O material é uma cortesia da psicóloga Fernanda Rangel, entrevistada nesta matéria e pesquisadora do luto perinatal.