
Pagã: “Quero que as pessoas saiam do senso comum de que religião não se discute”
Kelly S. Reis transforma sua vivência nas periferias. Na exposição Pagã, questiona preconceitos históricos e convida o público a refletir sobre diversidade religiosa e respeito às mulheres
Por Amanda Stabile
27|08|2025
Alterado em 27|08|2025
Mineira de Sericita, Kelly S. Reis mudou para a capital paulista com seis anos de idade e, desde cedo, viveu a realidade das periferias. “Sempre morei em lugares muito precários, perto de córregos e áreas com muito lixo”, relembra. Hoje, com 11 anos de trajetória no grafite, ela leva para os muros e telas uma narrativa que mistura identidade, religiosidade e força feminina.
“Eu falo muito sobre mestiçagem biológica e cultural, sobre mulheres afro-indígenas, porque essa é a base da minha família. Também trago a espiritualidade, as crenças e religiosidades que sempre estiveram presentes na minha história”, explica.
Não houve um momento específico em que a arte tenha “entrado” em sua vida, é algo que sempre esteve presente em sua formação. “Não consigo separar. Desde muito nova, lembro de desenhar e criar personagens. Com 14 anos já usava tinta a óleo e participava de exposições. Meu pai me incentivava muito, comprava lápis de cor quando podia, me colocava em cursos baratos ou gratuitos”, recorda.
Sua família não tinha histórico artístico, mas a criatividade sempre esteve presente de alguma forma. “Meu pai é pedreiro e minha mãe, dona de casa. Eu tenho três irmãs, todas gostam um pouco de arte. Uma delas, por exemplo, faz artesanato religioso de umbanda. As peças dela têm uma força única, carregam axé”.
As obras de Kelly trazem corpos femininos, andróginos (que fogem das normas tradicionais de gênero) e fluidos, sempre conectados à natureza. Para ela, essa escolha é política.
Eu represento muito mulheres porque sou mulher. Na religiosidade, a mulher sempre foi vista como corpo pecador, sujo, erotizado. Quando coloco mulheres no meu trabalho, elas são protagonistas, potências. Não as desenho só como corpo — elas são montanha, sol, natureza. Quero que sejam respeitadas, não apenas como reprodutoras, mas como corpos inteligentes.
Pagã no SESC Madureira
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Até 12 de outubro, o público que frequentar o SESC Madureira, no Rio de Janeiro (RJ), terá a oportunidade de mergulhar nas obras de Kelly a partir de uma perspectiva que retrata diversas religiões do mundo e, de modo especial, do Brasil e de outros países da América Latina.
A exposição Pagã reúne mais de 40 obras, entre pinturas, mural e instalação. O título não foi escolhido à toa. A artista quis provocar reflexão sobre preconceitos que persistem. “A palavra pagã ainda carrega peso pejorativo. Historicamente, foi usada para marginalizar mulheres e religiosidades que não são abraâmicas [crenças que não vêm do judaísmo, cristianismo ou islamismo, como tradições indígenas e afro-brasileiras]. Mas a origem do paganismo tem a ver com a natureza. O que eu quero é ressignificar esse nome, tirar a ideia de pecado ou bruxaria como algo ruim”, explica.
Na estreia da mostra, a reação foi imediata. “Teve funcionário que se recusou a entrar na exposição só por causa do nome. E não foram poucos os relatos de jovens dizendo que eram chamadas de pagãs pelas próprias mães. Ainda existe muito preconceito”, conta.
O que Kelly espera da mostra é simples e, ao mesmo tempo, urgente: diálogo.
Quero que as pessoas saiam do senso comum de que religião não se discute. Discute sim! Se não, só vai ter violência atrás de violência. Quero que reflitam, que entendam que espiritualidade também permeia o outro. É possível coexistir com diferentes religiosidades. E, no meio disso, respeitar a mulher.
Serviço:
Exposição Pagã
Visitação: 13 de julho a 12 de outubro de 2025
Dias e horários: terça a sexta, das 10h às 19h, sábados, domingos e feriados, das 10 às 16h
Local: Sesc Madureira: R. Ewbank da Câmara, 90 – Madureira, Rio de Janeiro – RJ
Entrada gratuita
Livre para todos os públicos