Os atos de terrorismo bolsonaristas e nossa Justiça (nada) cega
A colunista Victória Dandara fala sobre o sentimento de revolta ao ver a polícia sendo completamente permissiva com atos de terrorismo de bolsonaristas, um grupo majoritariamente branco, cisgênero e de classes altas.
16|01|2023
- Alterado em 17|05|2024
Por Victória Dandara
No primeiro domingo de 2023 iniciamos uma nova etapa em nossa democracia, um momento de esperança na reconstrução do país com a posse do Presidente Lula. Porém, exatamente sete dias depois, assistimos horrorizados e horrorizadas à barbárie dos atos de terrorismo em Brasília, com a invasão dos palácios dos poderes por grupos violentos de apoiadores do Bolsonaro.
Entre depredação de obras de arte caríssimas, destruição do patrimônio público e um nítido desrespeito a todo e qualquer valor democrático, o que muito chocou a internet foi a reação, ou melhor, falta de ação, por parte da polícia militar do Distrito Federal. Vídeos de policiais apoiando os terroristas e até os escoltando circularam por todas as redes, acendendo um importante debate para nossa sociedade: por que a polícia e nosso sistema de Justiça são tão seletivos?
Em um protesto no ano de 2013, o manifestante Rafael Braga, um homem negro, foi preso e condenado a 11 anos e três meses de prisão por portar uma garrafa de pinho sol.
Já em 2015, Verônica Bolina, uma travesti negra, foi brutalmente torturada por agentes policiais após um episódio relativo à sua saúde mental. Chegaram a raspar seu cabelo e asfixiá-la com sacos plásticos.
No ano de 2021, Laurah Cruz, uma travesti negra, ao andar nas ruas da região da Cracolândia na luz do dia foi surpreendida por dois guardas metropolitanos que a agrediram quebrando um cassetete em suas costas.
E já neste ano, três dias antes dos ataques terroristas de Brasília, a polícia assassinou a tiros Dierson Gomes da Silva, um homem negro e catador na Cidade de Deus. Os agentes do Estado confundiram um pedaço de madeira com uma arma.
Casos idênticos de brutalidade policial e de vitimização no sistema de justiça se repetem diariamente. Dados do Monitor da Violência apontam que só no ano de 2021 foram registrados 6.133 assassinatos por agentes da ativa, o equivalente a uma média de 17 mortes por dia. No nosso sistema criminal, das 919.393 pessoas privadas de sua liberdade e enjauladas pelo Estado em prisões extremamente precárias, 41,5% são presos provisórios e sequer tiveram julgamento. A maior parcela desta população carcerária é negra e advinda de favelas e periferias.
Por isso, quando assistimos à polícia sendo completamente permissiva com atos de terrorismo de um grupo majoritariamente branco, cisgênero e de classes altas, a sensação que nos resta é de revolta e indignação.
Sempre se utiliza o ditado popular “a Justiça é cega”, em uma menção ao fato de o Estado e seus agentes terem que ser imparciais e tratarem a todos com igualdade. Porém, ao nos depararmos com um sistema forjado para violentar corpos negros, periféricos e trans, percebemos que a Justiça vê e muito. Ela vê cor, classe social, identidade de gênero, CEP.
Mas e o que fazer? Essa será a difícil missão dos Ministérios da Justiça, dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial. O compromisso com a construção de uma nova Justiça é urgente. Não é tolerável que em uma democracia seja legitimado o direito do Estado e seus agentes em torturar e ceifar vidas. Aí que veremos o real compromisso de Lula para com o povo brasileiro e seu bem viver.
Não adianta “botar o pobre no orçamento” se este mesmo pobre é exterminado ou encarcerado.
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Victória Dandara Victória Dandara é travesti, cria da zona leste de São Paulo (SP), pesquisadora em direitos humanos, advogada transfeminista e filha de Oyá. Foi uma das primeiras travestis a se graduar em direito na USP e hoje luta não só pela inclusão da população trans e travesti, mas por uma emancipação coletiva a partir da periferia e da favela.
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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