“São, Seguro e Consensual”: o que você precisa saber sobre BDSM

Em sua nova coluna, Chantal conversou com duas adeptas e uma terapeuta sexual para desmistificar tabus sobre a prática

03|09|2025

- Alterado em 03|09|2025

Por Maria Chantal

Você conhece o BDSM (Bondage, Disciplina, Submissão e Masoquismo-sadismo)? A prática, muitas vezes resumida a “apanhar” ou “bater”, ganhou popularidade a partir do filme 50 tons de cinza, romance erótico de 2015.

Na trama, um dos personagens, Sr. Grey, é adepto do BDSM. O pano de fundo da história traz nuances controversas sobre o praticante, diretor de uma grande empresa, branco e rico, mas marcado por uma infância negligenciada, violenta, com uma mãe adicta e em sofrimento psíquico.

O filme pode reforçar o imaginário comum de que os praticantes ou interessados no BDSM sofreram algum trauma na infância. Essa narrativa precisa ser questionada, pois desde 2018 a prática não é mais considerada um transtorno pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Em contribuição à minha coluna, a terapeuta sexual e mestre em Educação em Sexualidade, Luana Lima, avaliou que esta mudança aconteceu devido aos avanços científicos e às novas perspectivas, livres de estigmas, de estudiosos.

O BDSM, quando praticado de forma consensual e segura, não é um transtorno, mas sim uma expressão saudável da sexualidade.

Luana Lima

Além disso, houve a criação de um movimento internacional de despatologização, semelhante ao que ocorreu com a homossexualidade, impulsionado por sexólogos e comunidades organizadas. “Essa revisão também dialoga com um contexto social mais amplo, de maior visibilidade da diversidade sexual e questionamento de visões moralistas”, reforçou.

Erotização não doutrinada

Em meus estudos e análises sobre o tema, acredito que seja necessário celebrar a despatologização do prazer e reconhecer que ele é mais amplo e diverso do que vem sendo ensinado e normatizado. Audre Lorde, no artigo Usos do erótico: o erótico como poder, defende que a supressão do erótico, principalmente para pessoas historicamente subalternizadas, é uma forma de manutenção de opressão.

Ao conhecer as práticas do BDSM, invocamos o corpo, seus sentidos e o autoconhecimento. Para que isso se concretize, torna-se necessário que antes haja liberdade e segurança para ser. Infelizmente, nem sempre isso é acessado de maneira igualitária e em um ambiente favorável.

Conversei com uma adepta da prática, Verônica*, que dividiu suas impressões de maneira positiva. “O que me gera interesse dentro do BDSM é que eu consigo demonstrar uma parte que normalmente é muito limitada no ser humano. Eu sinto que eu posso ser eu mesma, sem ser julgada, e por muito tempo nós fomos reprimidas, nesse lugar mais sexual.”

Outra praticante, Jéssica Torres Silva, que também é gestora do sexshop Zuliê, pesquisa, escuta e troca com outros interessados. Relata que a maior mudança que o B.D.S.M trouxe para a sua vida foi o autoconhecimento sobre si e seu corpo. Esse aprendizado cresceu a partir da exploração “divertida” de objetivos e experiências, muitas vezes compartilhados por outros praticantes.

Prazer não pode ter culpa

A terapeuta sexual Luana relata ser comum atender pessoas que sentem vergonha por serem praticantes. Em sua avaliação, esses sentimentos são fruto de uma sociedade que associa prazer à culpa, “especialmente quando envolve poder ou dor”.

“Para mulheres, o machismo reforça a ideia de que não podem explorar seus desejos livremente, e pessoas negras enfrentam ainda a fetichização e estigmatização dos seus corpos”. A especialista defende ainda o papel da educação e da clínica para acolher, legitimar e mostrar que “prazer e saúde caminham juntos.”

Dicas e site para explorar fetiches

Existem diversos itens que ajudam as pessoas a conhecerem seus corpos e a partir dessa autoavaliação experimentarem prazeres que antes estavam limitados a tabus e a estigmas sociais.

A loja virtual de Jéssica é um desses locais onde encontramos itens direcionados às práticas para quem deseja acessar esse universo. A entusiasta da prática explica que os produtos que mais saem são os de Bondage, para amarrar e prender alguém, como cordas, fitas, algemas e tornozeleiras.

Já os interessados em conhecer seus próprios fetiches podem acessar o site bdsmtest.org, onde há testes para identificar se gostam de algumas dessas práticas. O objetivo é que seja uma experiência divertida. Faça e comente se o resultado fez sentido para você.

Luana reforça que a atividade, no seu fundamento, traz a consensualidade como premissa. E sendo praticada por diversos tipos de pessoas, ambientes e materiais, existem pontos de atenção.

Cuidados para quem deseja iniciar sua pesquisa: 

Ético: garantir sigilo, consentimento informado e respeito à autonomia das pessoas.

Não reproduzir estigmas: evitar ler o BDSM como patologia. É essencial também ter um olhar interseccional, atento à raça, gênero e classe. Isso porque o prazer é vivido a partir de coisas que se interseccionam, não é uma situação inata do corpo, é uma coisa que é aprendida,uma busca e um aprendizado também. Senão, normalizamos e achamos que tudo nasce conosco e vamos nos sentir só de uma forma, quando na verdade não. O prazer é o somatório de sensação, contexto e repertório de vida. Assim, muitas pessoas negras ou empobrecidas podem experimentar de forma diferente de homens, brancos, ricos as situações de prazer.

Reconhecer a própria posição de pesquisador(a): refletir sobre privilégios e preconceitos que podem interferir na escuta.

Jéssica acrescenta que existe na prática a sigla SSC (São, Seguro e Consensual). Portanto, todas as pessoas envolvidas devem estar sãs e cientes do que vai acontecer nas práticas, com o devido consentimento para entender o que será feito.

Desejo que esse texto tenha sido um portal para que você saiba que existem diversas comunidades de pessoas com interesse em práticas consideradas desviantes. Pesquise, leia, se informe, nutra o seu erótico.

*sobrenome preservado a pedido da fonte

Maria Chantal Maria Chantal é uma mulher cis, bissexual, angolana em diáspora no Brasil. Estudiosa autodidata da Ginecologia Natural, atua como educadora menstrual, compartilhando conhecimentos sobre prazer, rebolado afro referenciados e a naturalização do ciclo uterino.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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