O que vem depois da medida protetiva?
Fernanda Barbieri viu seu agressor descumprir mais de 100 vezes as medidas protetivas; advogada aponta que a ação ganhou nova regra em abril e é ferramenta importante para sair do ciclo de violências
Por Beatriz de Oliveira
17|08|2023
Alterado em 25|08|2023
A servidora pública Fernanda Barbieri começou a sofrer violência doméstica do então marido, Bruno Vagaes, em 2017, após o nascimento da filha do casal. No fim de 2019, por entender que sua vida estava em risco, veio a decisão de reunir provas e denunciar o agressor. Mais de três anos depois, não consegue retornar a sua rotina habitual, enquanto Bruno segue no posto de promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná.
“Quando a mulher faz a denúncia, ela acredita que vai ter uma resposta, principalmente quando leva provas. Então, eu levei muitas provas. Mas, no decorrer do processo, considero que houve violência institucional”, afirma.
As medidas protetivas que Fernanda Barbieri obteve na Justiça foram descumpridas mais de 100 vezes por Bruno Vagaes. A servidora alega que houve lentidão do Ministério Público em tomar atitudes para impedir que ele descumprisse as medidas. Soma-se a isso, a posição de poder do agressor, que como promotor de Justiça, já atuou inclusive em casos de violência doméstica.
“Os descumprimentos não deram em nada no nível administrativo, então, ele entendeu que poderia fazer o que quisesse”, relata Fernanda.
Diante do cenário de riscos e falta de ação da Justiça, a vítima levou o caso à mídia. Após esse movimento, o agressor teve seu porte de arma suspenso. “O motivo foi recrudescimento no conflito [por levar o caso à mídia], o que poderia aumentar meu risco de vida. Mas, na verdade, esse risco sempre existiu”, pontua.
Em 2020, houve prisão preventiva decretada por tentativa de interferência ilícita em instrução probatória criminal. O pedido de prisão domiciliar foi atendido. Dois meses depois, um desembargador de justiça revogou a prisão do agressor.
Fernanda Barbieri relata ainda que o agressor alugou um apartamento próximo ao dela e que, por ser mais de 200 metros distante, não foi visto como descumprimento da medida protetiva. Por medo de encontrá-lo, a servidora se mudou e trabalha em formato remoto.
Com mais de 40 procedimentos em função do caso, incluindo recursos administrativos, a vítima afirma que os gastos já ultrapassam R$ 200 mil. “Eu não busco apenas condenação penal, eu não acho que isso resolve. Busco reprovação da conduta, que haja o entendimento da violência e que ela cesse”, diz.
Nova norma de medida protetiva entrou em vigor em abril
Para a advogada especialista em direito de família, Marina Oliveira, a efetividade do sistema judiciário em relação à violência doméstica tem melhorado nos últimos anos. Ela destaca a sanção da lei nº 14.550 em abril deste ano, que define que medidas protetivas de urgência precisam apenas do depoimento da vítima para serem concedidas, não sendo necessária ação penal em curso.
Medidas protetivas são ordens judiciais que têm o objetivo de proteger a vítima em situação de vulnerabilidade. Sua aplicação varia de acordo com a gravidade do caso, mas as situações mais comuns são afastamento físico e restrição de qualquer tipo de contato, seja por mensagens ou ligações.
Marina afirma que, em muitas delegacias da mulher, o afastamento é concedido sem a necessidade de um advogado, mas isso pode variar de acordo com o município. “A mulher chega na delegacia, faz o relato, e quem leva o documento da medida protetiva para o agressor é o oficial de justiça”, pontua.
Em caso de descumprimento da medida protetiva, a advogada explica que o judiciário deve intensificar as restrições, podendo levar, inclusive, à prisão.
Quem é vítima de violência doméstica pode procurar a defensoria pública do seu estado para obter assessoria jurídica gratuita na denúncia. Outro caminho é ligar para 180, a Central de Atendimento à Mulher. O serviço gratuito registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher, além de fornecer informações sobre seus direito e locais de atendimento apropriados para cada caso.
Outra Lado
Em nota ao jornal Estado de Minas, para matéria publicada em 26 de julho, o advogado de Vagaes, Marcos Ticianelli, afirmou que o promotor afastado nega “qualquer crime sexual ou de violência física ou psicológica contra Fernanda” e diz que não mantém qualquer contato com a ex-mulher desde junho de 2020. “Médicos do Ministério Público atestaram a aptidão de Bruno para a vida em sociedade e também para o exercício de sua profissão. Aliás, Bruno sempre exerceu a sua função de promotor de Justiça de forma exemplar”