O que Bolsonaro e Haddad propõem para a saúde da mulher?

O Nós, mulheres da periferia analisou e convidou especialistas para comentar os planos de governo dos presidenciáveis para entender como eles se comprometem com o tema “saúde da mulher”.

Por Redação

24|10|2018

Alterado em 24|10|2018

No próximo mês, o Nós, mulheres da Periferia vai publicar uma reportagem especial, com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos, sobre o atendimento ginecológico das mulheres moradoras das periferias de São Paulo no SUS – Sistema Único de Saúde. Enquanto a investigação não fica pronta, começamos analisando os planos de governo de quem será o futuro presidente do país para entender como pretende fortalecer o SUS e os direitos das mulheres.
Averiguamos os planos de governo de Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) para entender como cada um trata do tema saúde da mulher e saúde da mulher negra. Convidamos também duas especialistas em saúde pública para comentar sobre as propostas.
A entrega dos planos de governo ao TSE – Tribunal Superior Eleitoral é uma exigência legal, mas não exime os candidatos de, muitas vezes, entregarem textos cheio de generalidades.
Em entrevista ao Nós, a especialista em saúde da mulher e professora da Faculdade da USP, Ana Flávia d’Oliveira, disse que analisar os programas das candidaturas é limitado, já que “sua concretização dependerá das condições políticas objetivas que os candidatos encontrarão, as equipes que formarão e muitos outros fatores que não conhecemos no momento”. 
Por isso, além dos planos de governo,  é importante analisar também o que os presidenciáveis falam em campanha e no horário eleitoral. Os planos não necessariamente apresentam a viabilidade das propostas mas é possível entender ao menos o olhar e rumos que pretende tomar cada candidato.
E isso é o que preocupa Heliana Hemetério, vice-presidência da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), principalmente em relação ao candidato Jair Bolsonaro.
Ela se questiona, por exemplo, quem será o ministro de saúde nomeado por um candidato que, em sua opinião, já se mostra misógino, racista e homofóbico. “Temos a certeza de que as políticas de saúde para as mulheres lésbicas e a população LGBTQ como um todo não terão continuidade”, afirmou.

As mulheres são a maioria entre o universo total de eleitores (52,5%). Na última pesquisa Datafolha, publicada em 18 de outubro.

 
 
 
 
 
 

As propostas de Fernando Haddad


 
 

 
 
 
 
Intitulado “O Brasil Feliz de novo”, o plano de governo da coligação PT – PCDoB – PROS cita a palavra saúde 67 vezes e a palavra mulher 37 vezes.  A abertura do documento diz: “defendemos também um projeto nacional de desenvolvimento que enfrente a crise social e econômica que massacra nosso povo e um novo período histórico de afirmação de direitos dos trabalhadores das cidades, dos campos e das florestas, das mulheres, das juventudes”
Haddad afirma o compromisso de defender o SUS continuar a luta pela implantação total do SUS, como direito social de todo o povo brasileiro e dever do Estado.
Para isso, defende as seguintes diretrizes: aumento imediato e progressivo do financiamento da saúde; valorização dos trabalhadores da saúde; investimento no complexo econômico-industrial da saúde; articulação federativa entre municípios, Estados e União; e diálogo permanente com a sociedade civil sobre o direito à saúde.
O candidato do PT diz que aprimorará a regulamentação das relações com o terceiro setor de saúde, em particular com as organizações sociais, “superando o paradigma da precarização e da terceirização da gestão”. O texto não explica e não se alonga sobre este ponto.
Ademais, sobre os planos de saúde, declara que regulará de forma mais transparente os planos privados de saúde, em favor de 22% da população que pagam por planos coletivos e individuais. Esclarece que a participação social representa uma estratégia fundamental de implantação e consolidação do SUS e afirma que serão fortalecidos os conselhos e conferências de saúde.
O material diz que o candidato do PT vai criar as Clínicas de Especialidades Médicas que contará com médicos especialistas (tais como ortopedistas, cardiologistas, ginecologistas, oncologista, oftalmologista, endocrinologista) e profissionais das mais diversas áreas (fisioterapia, fonoaudiologia, nutrição, psicologia, entre outras). Haddad também mencionou a criação do Prontuário Eletrônico.
Sobre os direitos da mulher pauta, o governo Haddad recriará, com status de ministério, as pastas de Direitos Humanos, Políticas para as Mulheres e para Promoção da Igualdade Racial, reconhecendo que a igualdade de gêneros e a igualdade racial são traços estruturantes do projeto de democratização da sociedade brasileira.
No material há um subtítulo “Promover políticas públicas para as mulheres visando a igualdade de gênero”. O plano anuncia a criação de políticas que promovam a autonomia econômica das mulheres, a igualdade de oportunidades e isonomia salarial no mundo do trabalho, bem como o incentivo à produção de ciência e tecnologia pelas mulheres. Diz também que aprovação da PEC das Trabalhadoras Domésticas foi fundamental e precisa ser consolidada.
O governo Haddad retomará as políticas de saúde para as gestantes e de combate à mortalidade infantil (não há detalhamento sobre estas ações) bem como apoiará fortemente os municípios para a ampliação das vagas em creche, que, além de representar um direito dos bebês e crianças, contribui para a autonomia das mulheres.
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As propostas de Jair Bolsonaro

 
 

 
 
 
 
Intitulado “O caminho da prosperidade” o material de Bolsonaro contém 81 páginas, uma menção a palavra mulher e não apresenta propostas específicas sobre saúde para este grupo. “Mulher” aparece no capítulo que fala sobre segurança em que o candidato diz que vai “combater o estupro de mulheres e crianças”. Como resolução para diminuição deste tipo de violência no país, afirma que “prender e deixar preso” é a saída, além de reduzir a maioridade penal para 16 anos e reformular o Estatuto do Desarmamento para “garantir o direito do cidadão a legítima defesa”.
A sigla SUS também tem apenas uma menção no texto. Já a palavra saúde da família aparece uma vez 18 vezes o termo “saúde”.
Seu plano diz que toda força de trabalho da saúde poderá ser utilizada pelo SUS “garantindo acesso e evitando a judicialização”, mas não se alonga e nem explica o que isso significa. O texto diz que esta ação permitirá às pessoas maior poder de escolha, compartilhando esforços da área pública com o setor privado. Diz ainda que todo médico brasileiro poderá atender a qualquer plano de saúde.
A saúde também aparece no contexto da Defesa Nacional. Informa que as Forças Armadas têm um papel importante no processo de atendimento da saúde da população, principalmente em áreas remotas.
Bolsonaro propõe um Prontuário Eletrônico Nacional Interligado, um Credenciamento Universal dos Médicos e a criação da carreira de médicos de Estado e declara que a prioridade de seu governo será a prevenção.
Para isso, pretende treinar os agentes comunitários de Saúde para se tornarem técnicos de saúde preventiva e investir na saúde bucal das gestantes, pois, segundo o texto, com esta medida, haverá menos nascimento de bebês prematuros. Ainda sobre prevenção anuncia que vai incluir o profissional de educação física na equipe de saúde da família.
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O que dizem as especialistas


 

Ana Flávia d’Oliveira, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e especialista em violência de gênero e saúde da mulher

 
 
 
 
 

O plano de Bolsonaro se destaca pela ausência: a ínfima menção aos termos mulher e SUS denota a falta de valor atribuída à saúde da mulher e ao Sistema Único de Saúde. Também é importante considerar o subfinanciamento do SUS, que piora muito com a PEC que congela os gastos públicos por 20 anos. Sem uma alteração nesta proposta, nada poderá ser feito na saúde, cronicamente subfinanciada. Haddad promete rever a PEC, Bolsonaro, não.

Na área da violência contra a mulher, que é minha área específica de pesquisa e intervenção, a diferença dos dois planos é bastante nítida. Enquanto o plano de Haddad propõe a recriação da Secretaria de Políticas para mulheres (SPM) e a da Igualdade Racial com status de Ministério, o de Bolsonaro não se refere a estas estruturas. Estas Secretarias tiveram um papel importantíssimo nos últimos 15 anos no sentido da proposição e implementação de políticas públicas voltadas para as mulheres e a população negra. Com orçamento enxutíssimo, elas se propõe basicamente a transversalmente encorajar todos os Ministérios a realizar ações destinadas a reduzir as desigualdades existentes entre homens e mulheres e negros e brancos na sociedade. A Política Nacional de Enfrentamento da violência contra as mulheres é uma das realizações da SPM. Infelizmente, estas secretarias foram desmontadas pelo governo Temer, e são fundamentais para uma política efetiva.

Já Bolsonaro, quando diz que vai lutar para diminuir os estupros, não explica como.  Na sua retórica pública, no entanto, ele é desrespeitoso com as mulheres e acaba por minimizar o crime de estupro e naturalizar a desigualdade de gênero.  A política de castração química de agressores sexuais, mencionada pelo candidato, não tem evidência de ser efetiva já que a violência sexual muitas vezes é realizada com objetos e não depende da virilidade do agressor. Sua política de permitir o maior acesso a armas pela população pode ter como efeito o aumento de feminicídios, já que as mulheres morrem mais na mão de parceiros e ex parceiros do que de qualquer outro agressor e a facilidade de acesso a armas de fogo deve aumentar os crimes domésticos fatais.

Os projetos diferem também no reforço do SUS e transparência das iniciativas privadas no programa de Haddad e na falta de valorização do SUS e uma certa confusão entre público e privado no programa de Bolsonaro. 

Já a especificidade da saúde das mulheres negras não é abordada com detalhes por nenhum dos candidatos, refletindo o secular abandono desta temática, apesar de sua flagrante importância em termos de dados concretos. No entanto, a disposição do candidato Haddad de recriar a Secretaria de igualdade racial deve ser considerada uma sinalização positiva neste sentido. As declarações públicas do candidato Bolsonaro sobre as mulheres negras ( associadas a promiscuidade), no entanto, não deixam margem para nenhum otimismo neste setor.

Heliana Hemetério, vice-presidência da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e integrante da Candaces – Coletivo Nacional de Lésbicas Negras e Feministas Autônomas

 
 
 
 
 
 
O sentimento é de muita preocupação. Sendo Jair Bolsonaro um cara misógino, que acredita que a maternidade não dá lucro, que mulheres não precisam receber salários iguais aos de homens e que não aceita as identidades de gênero, estamos bastante apreensivas. Estamos preocupados enquanto movimento e estamos preocupadas enquanto mulheres lésbicas.
Se ele tem essas opiniões, imagine quem será o Ministro da Saúde que irá escolher. Nas últimas semanas tivemos a morte de duas mulheres transexuais e uma travesti por pessoas que se dizem eleitoras de Bolsonaro. Estamos vivendo quase que uma licença para matar.
[Sobre os casos: Priscila, morta no Largo do Arouche, centro de São Paulo, na madrugada de 16 de outubro;  Laysa Fortuna, mulher transexual de 25 anos, foi esfaqueada na região do tórax no dia 18 de outubro, em Aracaju (SE); Kharoline foi assassinada em Santo André, na região metropolitana de São Paulo, no dia 21 de outubro. Ela foi ferida com facadas na região da virilha por um grupo de homens].
Estamos nos organizando para encontrar caminhos de autocuidado, pensando em questões físicas e emocionais. Temos a certeza de que, se o Jair Bolsonaro vencer, não teremos a continuidade das políticas de saúde para a população LGBTQ. E vocês me perguntaram sobre os direitos sexuais e reprodutivos, né? Será que Bolsonaro sabe o que isso significa?
Não podemos perder de vista que políticas higienistas estão em curso. O controle de natalidade para mulheres em situação de rua ou usuárias de drogas já acontece. Em Minas Gerais, há casos de meninas e mulheres em condição de rua que preferem fazer o parto entre elas para não correrem o risco de levarem seus filhos da maternidade para a adoção. Imagine um sinal verde para expandirem isso, para esterilizarem essas meninas e mulheres.
[Desde julho de 2016, as maternidades de Belo Horizonte são obrigadas a acionar a Vara Cível da Infância e da Juventude, no prazo de 48 horas, contadas a partir do nascimento do bebê, quando houver evidências ou constatação de que a mãe é usuária de drogas e/ou tem trajetória de rua. E, em 2013, Bolsonaro defendeu, na Câmara, um projeto de esterilização de mulheres pobres com o objetivo de combater a criminalidade e a miséria]
Algumas mulheres podem achar que é certo esterilizar mulheres nessas condições, mas esquecem que aos olhos da população branca e racista do Brasil isso também se aplica às mulheres negras.
Com Haddad, os movimentos sociais terão, ao menos, a possibilidade do diálogo. E mesmo com uma vitória do PT, neste momento, as coisas não estarão bem. Temos muito trabalho pela frente e, na minha opinião, não sei se daremos conta dessa construção em um curto prazo. Temos que resgatar a utopia do povo.

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