‘O negacionismo é danoso para vulneráveis’, diz antropóloga

"O negacionismo é danoso não só ao desenvolvimento da saúde e ciência, mas também a qualidade de vida de populações vulneráveis, onde as informações falsas chegam com mais força", afirma a antropóloga Elisa Hipolito do Espirito Santo.

Por Esmeralda Angelica

06|05|2021

Alterado em 06|05|2021

Desde o início da pandemia, o Brasil vê crescer um grupo de brasileiros que se dizem contra o isolamento social, uso de máscaras e outras medidas comprovadamente eficientes na prevenção da disseminação de coronavírus. Chamado de negacionistas, as práticas destes brasileiros também se manifestam e na negação ou minimização da gravidade da doença e no incentivo a tratamentos terapêuticos sem validação científica, na tentativa de descredibilizar a vacina, entre outros exemplos

No dicionário Aurélio, o significado da palavra negacionismo é a negação de um fato comprovado e documentado, ou a negação de conceitos cientificamente comprovados . Nesse sentido, não foi apenas a pandemia do coronavírus que ganhou força no Brasil nos últimos anos.

Enquanto cientistas de todo o mundo denunciam o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) por suas ações, seus apoiadores seguem negando as mudanças climáticas, a ciência e também fatos históricos que foram decisivos para Brasil. Uma carta aberta assinada por ex-ministros, cientistas, e pelo líder indígena Ailton Krenak da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo, foi enviada às autoridades da Cúpula do Clima no dia 7 de abril afirmando que a política ambiental brasileira não mudou, e as ações que enfraquecem as leis ambientais seguem em curso. “O negacionismo, a proliferação de informações falsas e os ataques contra a ciência” de Bolsonaro transformaram o Brasil em uma “verdadeira usina de variantes do coronavírus, com graves reflexos também sociais e ambientais”, diz um trecho do documento. 

Para explicar o fenômeno e a força que ele tem ganhado nos últimos tempos, o Nós, Mulheres da Periferia conversou com Elisa Hipólito do Espírito Santo, antropóloga e mestranda em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (USP).

Confira a conversa!

Nós: O negacionismo já era um fenômeno presente no Brasil e com a chegada da pandemia se tornou ainda mais recorrente. Por que isso está acontecendo?

Elisa Hipólito do Espírito Santo: Um primeiro ponto é o fato da pandemia infelizmente coincidir com um contexto, sobretudo político, muito específico. O negacionismo e a produção da desinformação já estava crescendo no país, justamente por ser um momento em que há também a ascensão de líderes políticos e religiosos que o utilizam enquanto discurso oficial e como política do Estado, ou seja, líderes – e eu utilizo da palavra líder porque essas figuras têm um poder de mobilização – que de certa maneira, oficializam esse negacionismo científico.

Nós: Observando o atual cenário, quais as situações que favorecem as pessoas a desacreditarem da ciência?

Elisa Hipólito do Espírito Santo: É um contexto também de descrédito e de desconfiança das instituições consolidadas,  científicas e de saúde, como universidades, e a própria imprensa. Desconfiança essa que também é inflamada por esses líderes políticos. E ainda, um contexto de grande dispersão e utilização da internet, principalmente das redes sociais, (preciso frisar que a causa da desinformação não são as redes sociais, mas elas auxiliam na aceleração da sua disseminação). As redes sociais têm se tornado ferramentas utilizadas para ter acesso à informação, notícias entre outros, de maneira rápida, em segundos, mas muitas vezes não há uma verificação da veracidade daquilo que se acessa, qual a base científica, as referências…a famosa “era das fake news“.

Nós: Vivendo uma pandemia, os cuidados para que o vírus não se espalhe depende da ação coletiva. O negacionismo tem a ver com a individualidade? 

Elisa Hipólito: É comprovado que para a diminuição da circulação do vírus, são necessárias ações coletivas. Já sobre esses discursos que desqualificam o discurso científico e questionam os consensos que tiveram sua oposição já superada, eu acredito que é algo multifacetado, principalmente influenciado também por questões políticas -ideológicas e econômicas. Se pensarmos a construção histórica do negacionismo e da desinformação, em seus diversos campos, anteriormente à pandemia, como a defesa do terraplanismo, os movimentos antivacinas, o negacionismo climático, eles servem também ao próprio capital, à empresas e multinacionais  que dispersam falsas informações com um intuito puramente econômico, por exemplo, nas décadas de 50 na Inglaterra, quando empresas de tabaco difundiam uma série de  inverdades para negar a relação causal entre tabagismo e câncer, ou o lucro da indústria farmacêutica em um contexto em que se afirma que determinados remédios funcionam como um tratamento prévio à esse vírus que só recentemente, com muita pesquisa e investimento, conseguimos uma vacina, que está imunizando – a passos lentos- a população.

Nós: Vemos uma crescente nos casos de Covid-19 no Brasil nos últimos dias, atrelado a desinformação. O quão danoso o negacionismo pode ser pra sociedade?

Elisa Hipólito: A pandemia se instala em meio a toda essa conjuntura política e esse cenário de negação da ciência. E em meio a essa nova situação sanitária, há intensas preocupações, medos, inseguranças, que fazem com que as pessoas procurem apoio e escutem aquelas figuras que elas consideram autoridades, ou que confiam ( nem sempre são pessoas com formação acadêmica na área, enquanto biólogas, sanitaristas, médicas, epidemiologistas, podem ser, novamente, líderes políticos e religiosos com discursos negacionistas). Não só escutam aqueles e aquelas consideradas por elas, como também buscam explicações fáceis e compreensíveis, e que de certa forma podem ser acolhedoras, sendo científicas e comprovadas ou não.

5 – Nessa onda, vemos terraplanistas e antivacinas e pessoas que celebram o golpe de 1964. O que está por trás desse fenômeno?

Se tratando de um país em que há uma educação para a ciência fragilizada, não há investimentos, (vide não só os cortes na educação e sucateamento das universidades, mas também de órgãos e agências de fomento, como a Capes e do CNPQ), os órgão oficiais, e o conhecimento produzido nas universidades, infelizmente não possuem uma comunicação científica que de fato é acessada pelas pessoas, que acabam se informando por meiode youtubers, blogueiros, comentaristas, que não necessariamente possuem um conhecimento prévio e comprovado sobre a temática. Logo, o negacionismo é danoso não só ao desenvolvimento da saúde e ciência, mas também a qualidade de vida de populações vulneráveis, onde as informações falsas chegam com mais força.

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