manicure pinta a unha de uma segunda mulher

Trabalhadoras de salões da periferia já sofrem impactos do coronavírus

Manicures, cabeleireiras e esteticistas contam para o Nós, mulheres da periferia como a quarentena do coronavírus impactam suas vidas

Por Jéssica Moreira

21|03|2020

Alterado em 21|03|2020

Como pagar as contas no fim do mês, cuidar dos filhos e ainda manter a saúde mental? Essas são algumas das perguntas  feitas por mulheres que trabalham com estética nas periferias — manicures, cabeleireiras e esteticistas —  e que já começam a sentir os efeitos da quarentena em suas vidas.

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“Eu não consigo trabalhar home office como as outras empresas, eu preciso do corpo físico aqui, porque eu mexo com cabelo, com pé, com mão, com estética, então, pra mim, fica difícil”, é o que conta Andréa Novaes, 44, dona de um espaço de beleza no bairro de Perus, região noroeste de São Paulo, e que viu sua agenda cair drasticamente na última semana.

 Quarentena e Covid-19

A queda da clientela de Andrea tem um motivo bastante sério: o Coronavírus, ou Covid-19. Considerada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a doença já matou 11.400 pessoas em todo o mundo. No Brasil, de acordo com as secretarias estaduais de saúde, já são 1.028 infectados, sendo 18 mortos e 15 só de São Paulo. O levantamento é deste sábado (21).

Em decorrência disso, as autoridades e governo do estado de São Paulo declararam estado de calamidade, exigindo quarentena à população, como medida de proteção e também para evitar uma maior proliferação da infecção. 

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Feito Andréa, no entanto, muitas são as pessoas que trabalham de maneira autônoma e dependem da própria força de trabalho para viver e garantir a sobrevivência de suas famílias. Segundo dados divulgados no início de 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há, ao menos, 38 milhões de trabalhadores e trabalhadoras informais, o que representa 41,4% do mercado de trabalho de todo o país. 

“Quero que as autoridades nos ajudem”

Do outro lado da cidade, na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, a preocupação da manicure e depiladora Maria Aparecida, 47, é a mesma. Mãe de quatro filhos e vivendo com uma mãe de 78 anos, Maria já está há três dias isolada em casa e é quem provê o sustento da família. 

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“Estou muito preocupada, pois não sei quanto tempo vai durar essa pandemia. Temo que, em alguns dias, comece a faltar alimento para a minha família”, pontua a depiladora. “Quero, de verdade, que nossas autoridades e nossos governantes nos ajude, pois é muito difícil para nós, profissionais da área da beleza. Não temos uma garantia de nada”, afirma Maria. A maioria de sua clientela é formada por profissionais de saúde, o que aumenta seu receio de um possível contágio. “Estamos trancados em caso pensando em proteger, principalmente, minha mãe”. 

“Eu não me resguardei porque preciso trabalhar” 

Jackeline Martins, 32, mora em Ferraz de Vasconcelos, é dona de um salão de beleza na Cohab José Bonifácio, na zona leste. Ela é mãe de duas crianças, de 2 e 5 anos, e, como Maria Aparecida, também tem uma mãe idosa com quem se preocupa. Mas, se Jackeline não abrir o salão para trabalhar, ela e sua família também podem passar por maiores dificuldades nos próximos tempos. 

“Eu temo pelo contágio. Infelizmente, tenho uma preocupação grande, mesmo usando máscara, luva e fazendo a higienização. Temo também pela saúde do meu familiar. Eu não sei quem vou atender. De repente, eu tô levando um vírus”. 

A manicure tentou lançar algumas promoções para atrair as clientes, mas entendeu que o medo do vírus é muito maior nesse momento.

“Só não me resguardei ainda porque preciso trabalhar. A não ser que eles falem que chegou no último [limite], aí beleza. Mas, enquanto isso, eu tenho que ficar. Mas caiu muito o movimento. Não sei nem como vou fazer para pagar o meu aluguel agora”, conta.

Jackeline parece não ter opção. Em sua casa, apenas o salário de seu marido não dá conta de pagar o aluguel, água e luz.  

Renda Básica

Para enfrentar a crise gerada pelo Coronavírus, o governo anunciou a intenção de garantir 200 reais por mês para os cerca de 38 milhões de profissionais autônomos, por 3 meses. Em relação a isso, começa a circular nas redes sociais a campanha A Renda Básica que queremos, para que o governo aumente esse valor e atinja o dobro de pessoas e com menos burocracias. 

“Para proteger de verdade os brasileiros e brasileiras que mais precisam, é necessário ter  uma renda básica de emergência mensal no valor de R$300 reais por pessoa, que contemple as 77 milhões de pessoas mais pobres do Brasil – aquelas que têm renda familiar inferior a 3 salários mínimos”, aponta o texto da campanha, que pede a assinatura do máximo de brasileiros e brasileiras. 

“Pago aluguel e a escola da minha filha”

Indo para a zona sul, no Jardim Miriam, os medos e angústias se repetem também na vida da manicure e depiladora Ana Paula de Souza, 41. “Eu atendo na minha casa, não estou tendo cliente. Muitas faziam pacotes [de serviços], a maioria não renovou porque a gente não sabe, além da parte financeira,  como vai ser daqui pra frente”, relata. 

Com receio de ser contaminada, Ana também tem tomado algumas medidas de precaução nos atendimentos feitos em casa para evitar riscos. “Mesmo assim, a maioria das clientes cancelou”. Para além dela, o trabalho do marido, que é produtor de eventos, também está prejudicado.

“Pago aluguel, a escola da minha filha, o galpão onde guardamos nossos equipamentos, temos um funcionário que precisamos pagar também. A situação está bem complicada”, diz a profissional de estética que ainda não tem uma saída para o problema. 

Relações de trabalho, mães solo e o medo de Simone

Diferente das demais, a manicure Simone Cristina*, 34, não é dona do próprio salão. Moradora da Vila Industrial, na zona leste, Simone sempre viaja ao menos duas horas, entre um ônibus e duas linhas de metrô, para chegar ao trabalho, em Pinheiros, zona oeste da capital.  

Diante da pandemia, o salão fechou as portas e também a relação com a manicure, que recebe por comissão. Durante esses dias em casa, ela, que é mãe solo de um menino de 6 anos com doenças respiratórias — portanto, grupo de risco — não sabe ainda como vai pagar as contas e despesas alimentícias do mês e demais. 

“Nesse período que vou ficar sem salário não sei que jeito fazer, porque eu não vou ter como pagar o meu aluguel, não tenho como pagar minha água, luz, e minhas despesas básicas de casa”, desabafa. 

Mas o maior medo de Simone é que o filho seja contaminado, deixando-a em uma escolha difícil entre sair ou não de casa com ele, já que não tem com quem deixar. “Não vou poder sair de casa com ele, que se enquadra no grupo de risco, nem deixar ele aqui sozinho. Não posso ir ao mercado porque, além de não ter dinheiro financeiramente, não tenho com quem deixar meu filho”. 

Dados do IBGE (2015) mostram que cerca de 11,6 milhões de famílias no Brasil são lideradas por mulheres, o que evidencia que a realidade de Simone diante do surto de coronavírus pode estar acontecendo em diversos outros lares pelo país. 

Pensando estratégias

Em Perus, Carliane Brandão, 26, possui uma clínica de estética e oferece diversos serviços. A esteticista trabalhou até sábado (21) e depois fechará o espaço, mesmo não sabendo ao certo como fará para se manter. Não sei como que vai ser, como vai acontecer nesses próximos dias, como vou pagar as contas, porque é com o dinheiro que entra que eu consigo me manter. E as contas vão continuar vindo. Aluguel, água, luz, telefone. Não sei como vai ser”.

Ela conta que está tentando manter a calma, garantindo, assim, a sua saúde mental, e tentando pensar em estratégias para angariar uma renda extra nos próximos dias “para não voltar quebrada” financeiramente.

“Enquanto eu estiver em casa, vou investir em conteúdo nas redes sociais, manter o contato com as minhas clientes, postar coisas sobre tratamentos [de pele e corpo] e torcer para que tudo acabe logo”, diz.  

Andréa também já começa a pensar algumas saídas. Com o baixo número de clientes, irá ajudar um amigo a vender roupas pelo bairro de Perus. “Um amigo teve que fechar uma loja no Brás. Eu tirei fotos das roupas, vou postar e vender pelas redes sociais e entregar na região, mas sem ter contato com as pessoas. Vamos higienizar a mão com álcool gel, usar máscara e não ter muito contato. Ajudo ele, e ajudo a mim também. A gente precisa se alimentar, precisa comer, precisa pagar as dívidas”, diz.

*A fonte preferiu não ser identificada
Colaboração de Mayara Penina, Regiany Silva e Semayat Oliveira