Pagode Na Disciplina: o samba que une lazer e ativismo no Jardim Miriam

O Pagode Na Disciplina reúne centenas de pessoas todo último domingo de cada mês há três anos. A organização é coletiva, como uma grande família.

Por Semayat S. Oliveira

06|10|2018

Alterado em 06|10|2018

Tudo começou dentro de um clube, na beira de um campo de futebol. Um grupo de amigos, primos e conhecidos começou a se reunir para fazer uma roda de samba.
Os músicos cresceram no Jardim Mirim, no lado sul da cidade de São Paulo. Todos já tocavam em outros grupos, como o tradicional Samba da Laje. Só que um dia se perguntaram: porque não fazemos algo para a nossa região?
Foi assim  que nasceu o Pagode Na Disciplina, que há três anos reúne centenas de pessoas todo último domingo de cada mês. A organização é coletiva, mas tem uma liderança feminina forte.
Se um dia você que lê este texto for até lá, verá duas mulheres que estão sempre observando o movimento, preocupadas em garantir que tudo corra bem. São elas: Ligia Jeronymo Costa, consultora e mãe, e Luana Vieira, ativista e mãe.
As duas também são companheiras dos músicos e idealizadores do grupo, Fabrício Costa e Thiago Marcelino, respectivamente.
Ligia trabalha durante a semana e dedica seu tempo livre a contribuir na gestão administrativa e organização. Luana pensa na programação, na logística e execução dos eventos. São fundamentais entre as pessoas que puxam o bonde.

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No bar, na beira do palco, no registro fotográfico. Luana e Ligia estão sempre no corre da gestão.

©Arquivo Pessoal


O grupo já conquistou um sede, ainda pequena. Então, o palco é a rua. E a rua é uma das muitas que integram o distrito de Cidade Ademar, que em 2017 contava com mais de 436.566 moradoras e moradores, segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
No quesito racial, o bairro ocupa o sexto lugar entre as regiões com maior população negra de São Paulo. A pesquisa São Paulo Diverso aponta que do total de pessoas que vivem nos nessa região, 52,10% se declaram negras.
Este mesmo território não conta com nenhum equipamento público de cultura. Segundo o Observatório Cidadão da Rede Nossa São Paulo, não há centro cultural, casa de show ou teatro, sala de cinema, acervo de livro adulto ou infanto-juvenil. Nem municipal, nem estadual e nem federal. Nada. Cidade Ademar está entre as quatro regiões de São Paulo com os piores índices neste quesito.
Essa ausência de suporte público para o lazer a atividades culturais se repete em outras regiões periféricas da cidade. Por outro lado, também é recorrente que grupos locais se mobilizem com o objetivo de suprir tais abismos.
JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube) é uma associação sem fins lucrativos que já recebeu o título de Ponto de Cultura, mas que luta todos os anos para se manter. Artistas organizados da região lutam há anos para a construção de uma casa de cultura.
Em 2016, durante a gestão de Fernando Haddad na prefeitura, chegaram a comemorar o acordo para a criação do CEU Cidade Ademar. Mas, na gestão de João Dória, a promessa ficou fora do plano de metas que vai até 2020.
Tudo isso para constatar que o samba de rua, assim como outras manifestações, aqui e em outros lugares, chega não apenas como um espaço para convivência, cultura e lazer. Ocupar a rua com samba é fazer política pública.
“Todos os músicos do Pagode Na Disciplina têm uma bagagem bem grande, nasceram no partido alto. Todos são profissionais e tocam em outros lugares, mas sempre tiveram o sonho de fazer esse projeto aqui. E aí pensamos: agora é a hora”, relembra Luana.
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Os integrantes moram na região ou até mesmo na rua onde o encontro acontece.


Quando começou a pensar como fazer o público do samba crescer, uma das metas de Luana era fechar a rua. Pois então passaram a fechar. Depois, ela quis que no dia de cada evento, crianças tivessem acesso a brinquedos. E isso aconteceu. Além disso, ela pretendia que esse também fosse um espaço para outras manifestações artísticas. E é.
Grupos, cantoras e cantores locais ou não já se apresentaram no Pagode Na Disciplina. Sarau da Ademar, Sarau do Vinil, os poetas Allan da Rosa e Akins Kintê também já passaram por lá.

“Sempre encontrei união e fortalecimento para fazer essa festa, sem vínculo partidário com ninguém, só com o fortalecimento mesmo dos irmãos e das irmãs que chegaram representando. Chamamos a comunidade, decidimos fazer um espaço para as crianças também e é isso. Nascemos e crescemos”, conta.

Sobre o espaço infantil, quem mais agradece é sua filha menor, Rayssa, que está sempre correndo de um lado para o outro.
Para levantar uma grana, uma das formas que encontraram foi a venda de feijoada. Por isso, todo sábado, é só passar lá pra bater um pratão. A preparação fica por responsabilidade da mãe do Thiago Ferreira, Aparecida Maria Ferreira, mais conhecida como dona Cida. Com um sorriso no rosto, ela disse que “onde o Pagode Na disciplina está, ela também está”.

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Nesta foto, familiares dos músicos celebram o primeiro aniversário do samba.

©Semayat Oliveira


Afeto de família não falta. Aliás, é afeto de sobra. Nos domingos de samba, as tias e avós também estão por lá, observam da janela, ficam nos portões. E uma equipe gigante se dedica para fazer tudo acontecer.
Marli Costa, ou Dona Marli, mãe de Fabrício Costa, disse que ela é uma mãe assim: se o filho dela está feliz, ela também está. “Não consigo participar muito lá (na rua) porque cuido da minha mãe, que tem 95 anos. Mas eu participo daqui, pedindo a Deus que dê tudo certo”.
E sempre deu certo.

Do samba à educação

Outro objetivo do grupo é encontrar formas de facilitar o acesso à educação para os jovens da região. E foi assim que nasceu uma parceria com a Uneafro, uma rede de articulação e formação de jovens e adultos moradores de regiões periféricas liderada pelo professor Douglas Belchior.
A expectativa é de iniciar aulas de reforço escolar, preparação para o vestibular e aulas de percussão em 2019.
Dona Marli lembra que esse sempre foi o sonho deles e que isso será muito bom para os jovens que moram no Jardim Miriam, exatamente pelo fato da região ter poucas opções.  Raquel Vieira, estudante e uma das filhas de Luana, concorda.
“Nossa comunidade tem poucos recursos, principalmente para os jovens. Não temos lazer e a educação é só o que se aprende na escola. E como a educação pública do país é muito fraca, sempre é bom uma educação a mais, principalmente pra quem já tem dificuldades”, explicou.
Rebeca Vieira, irmã de Raquel, contou o quanto é importante para ela que sua mãe seja uma das pessoas que faz com que tudo isso aconteça. Ela escuta seus colegas de classe elogiando o samba e sorri ao dizer: “acho o trabalho da minha mãe aqui no bairro exemplar, motiva muita gente. Fico feliz em saber que minha mãe é minha representatividade, sabe?”.

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