“Onde há populações indígenas, são terras indígenas”, diz liderança do Jaraguá

Nesta entrevista, Ara Mirim explica como a luta indígena agrupa todos os povos, principalmente a população periférica.

Por Jéssica Moreira

30|08|2017

Alterado em 30|08|2017

O  povo Guarani Jaraguá  se mobiliza  contra a Portaria nº 683/17, assinada pelo Ministro da Justiça Torquato Jardim, que prevê a anulação da Portaria nº 581/2015, publicada durante o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff, que reconhecia ser de direito dos guaranis uma área de 512 hectares no Jaraguá, localizado na região noroeste da capital de São Paulo.

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Sonia Barbosa (Ara Mirim) | Créditos: Jéssica Moreira

©Divulgação


A população indígena, que já comemorava a ampliação da terra, agora volta a reivindicar mais espaço e lutar contra a revogação, somando-se as duas aldeias da Estrada Turística do Jaraguá, são apenas 3,2 hectares. Apenas uma é reconhecida como reserva indígena. Atualmente, vivem cerca de 700 pessoas nas terras indígenas guarani, divididas em cinco áreas indígenas: Tekoa Pyau, Tekoa Ytu, Itakupé, Ita Wera e Ita Endy. 
Por meio do Diário Oficial, o governo aponta que a medição anterior “abrange quase integralmente o Parque Estadual do Jaraguá”, e diz, ainda, que a demarcação foi feita sem participação do estado de São Paulo. Ou seja, um erro administrativo que afeta toda a comunidade guarani. 
A região começou a ser habitada em 1966, com a chegada do casal Jandira Kerexu Augusta Vinicius Guarani e  Joaquim Kuaray Augusto Martins Guarani, que fundaram a primeira aldeia, a Tekoa Ytu. Em 1987 a área foi reconhecida como uma terra indígena, com uma reserva que não chegava a 2 hectares. Em 1996, foi criada a aldeia Tekoá Pyau e a área começou a ser ainda mais povoada.
Para explicar o que está em jogo nas terras do Jaraguá, o Nós, mulheres da periferia foi até a aldeia e entrevistou a índia Sônia Barbosa (Ara Mirim em guarani), uma das lideranças da tribo, que aponta que a revogação das terras demarcadas não era esperada pela comunidade.
Na entrevista, ela explica como a luta indígena agrupa todos os povos, principalmente a população periférica. “Não somos apenas nós, o povo da periferia também sofre muito. Matam e criminalizam os jovens e as mulheres. A gente quer viver em paz nos lugares onde a gente está”. 
Ara Mirim destaca também como tem sido o embate com o governo e esclarece a importância das terras do Jaraguá serem reconhecidas como território indígena. “Toda terra onde há populações indígenas, são terras indígenas, demarcadas ou não. A partir do momento que tem uma família, duas ou três dentro de uma área, ela é considerada terra indígena. O Brasil inteiro é uma terra indígena”. 
Leia abaixo a entrevista na íntegra!
Nós, mulheres da periferia: Poderia contar o que aconteceu nesses últimos dias em relação a aldeia do Jaraguá?
 Ara Mirim: Conseguimos a portaria declaratória em 2015,  na época, o ministro era o José Eduardo Cardoso. Ele assinou a portaria declaratória reconhecendo essa área como uma terra indígena. Era uma área de 1,7 hectares, ele ampliou para 512 hectares. Isso em 2015, quando foi assinada a portaria. Logo depois, um mês mais ou menos, o governo do estado entrou com uma ação contra essa portaria. Até então, ela não tinha sido anulada, havia sido suspensa pelo governo do estado, mas, até então, não mexeram mais com a gente. Lógico que continuamos lutando para que fizessem a demarcação da terra. E agora, no dia 9 de agosto, o Ministério da Justiça de Brasília anulou essa portaria. Se a portaria declaratória tivesse sido assinada, depois de um tempo a Funai (Fundação Nacional do Índio) poderia demarcar a terra de maneira definitiva. Então, o que aconteceu foi a anulação geral desses 512 hectares de terra.
E, agora, temos que fazer uma luta novamente em Brasília para que reverta isso. A situação da comunidade é muito complicada. Nós somos, hoje, em cinco áreas indígenas guarani aqui no Jaraguá. E hoje a gente perdeu, praticamente, a nossa demarcação de terra. Isso é muito grave e é por isso que nós vamos fazer atos e manifestações. Um grupo seguiu para Brasília na segunda-feira no intuito de conversar com o Ministro da Justiça e reverter essa situação. Além de retirar 512 hectares da nossa demarcação, ele vai prejudicar também as nossas áreas indígenas do país inteiro. Nós sempre falamos que tudo que acontece aqui no Jaraguá reflete nas outras etnias também. Então, temos que resolver essa situação de uma forma ou de outra.
Nós, mulheres da periferia: o que você acredita que pode acontecer? Acha que podem cancelar as outras demarcações de terra? 
Ara Mirim: No dia 9 de agosto, estávamos na Av. Paulista fazendo um ato contra o marco temporal. Caso o Ministério da Justiça, a Funai e o Ministério Público assinassem o marco temporal, se seguissem em frente, todas as áreas demarcadas desde 1988 seriam canceladas.  Então, aqui seria a primeira área a ser devastada, praticamente. Mas aí eles transferiram a votação do marco temporal para outra ocasião e nós não sabíamos que iriam soltar essa bomba agora na nossa cabeça, de tirar a portaria declaratória.

Toda terra onde há populações indígenas, são terras indígenas, demarcadas ou não!

Nós, mulheres da periferia: qual a importância de reconhecer essa terra como uma reserva indígena?
Ara Mirim:  Toda terra onde há populações indígenas, são terras indígenas, demarcadas ou não. A partir do momento que tem uma família, duas ou três dentro de uma área, ela é considerada terra indígena. O Brasil inteiro é uma terra indígena. Mas, infelizmente, a gente tem que se submeter a um governo racista, que faz essas coisas com as comunidades indígenas. A importância da terra pra gente é muito grande. Quando você tira direitos, você mata um povo. 
Nós, mulheres da periferia: Qual a relação do que acontece aqui com o que tem acontecido na Amazônia?
Ara Mirim Tudo que acontece no Brasil em relação à mineração, direitos indígenas, demarcações de terra, mexer com a floresta, tudo isso tem a ver com o que o governo faz. Tudo que ele faz que envolve as populações indígenas prejudica muito as comunidades e acaba mexendo no planeta.

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Tejoa Pyau, no Jaraguá, região noroeste de SP| Jéssica Moreira


Nós, mulheres da periferia: como é a população, quantas pessoas vivem aqui? 
Ara Mirim: : Hoje, nós somos em 700 guaranis. Somos em cinco áreas, então, cada área tem uma quantidade de hectares. Essa aqui (Tekoa Ytu) que está demarcada, foi demarcada em 1987, um ano antes da publicação da Constituição e ela foi demarcada em 1,7 hectares. Eles demarcaram pela quantidade de famílias que existiam na época, que eram duas famílias. Eles não imaginavam ou não queriam imaginar que isso aqui iria crescer tanto. Então, hoje, nós somos em 700 pessoas. A aldeia de cima junto com essa aqui, de baixo, formam 3,2 hectares. Mas para 700 pessoas é uma sobrevida, não é uma vida.

Eles tentam de todas as formas derrubar as comunidades.

Nós, mulheres da periferia: Acredita que essa decisão tenha a ver com a decisão do STF  (Supremo Tribunal Federal) de derrubar o marco temporal e logo depois ocorre isso com o Jaraguá?
Ara Mirim: Eles tentam de todas as formas derrubar as comunidades. Seja por qualquer tipo de projeto de lei.  Eles não conseguiram tirar as demarcações das terras na PEC 215, que era a nossa grande preocupação. Não conseguiram porque nós lutamos, saímos para a rua. Aí eles vão e jogam esses projetos. É sempre assim, enquanto eles tiverem o poder da decisão, eles vão entrar com várias ações. De um dia para o outro, eles colocam projeto de lei, eles inventam ali um projeto de lei para derrubar, de repente pensam “ah, não, não vai mais ser aquilo, então vamos provar outra”, aí onde acontecem essas coisas.

A terra é nossa mãe e ninguém quer ver sua própria mãe sendo machucada. É isso que está acontecendo hoje. As populações indígenas estão dentro das áreas para proteger o que o criador fez. É esse o nosso pensamento. Mas o governo acha que não, acha que nós estamos desmatando. Quem desmata são eles.

Nós, mulheres da periferia: qual a importância afetiva da terra do Jaraguá para vocês?
Ara Mirim: A terra é nossa mãe e ninguém quer ver sua própria mãe sendo machucada. É isso que está acontecendo hoje. As populações indígenas estão dentro das áreas para proteger o que o criador fez. É esse o nosso pensamento. Mas o Governo acha que não, acha que nós estamos desmatando. Quem desmata são eles. Eles que desmatam para construir prédios, para construir grandes construções, para fazer estacionamento, para fazer rodovia, para fazer rodoanel,  eles desmatam pra isso. Não é desmerecendo, mas eles fazem isso para que assim se formem pequenas comunidades de favelas. E as comunidades ficam sofrendo como estão hoje também. Quem mora dentro das favelas, dentro das comunidades, sofre horrores com a falta de recursos e falta de vida. Não é só nós, o povo da periferia sofre muito. Matam jovens. Criminalizam os jovens e as mulheres, então é essa nossa preocupação também. As favelas não estão aí porque querem, mas porque faltam políticas públicas que olhem para essas pessoas. Ninguém quer viver dentro de um barraco pegando fogo. A gente quer viver em paz nos lugares onde a gente está e a gente não está lutando só por nós, estamos lutando por todo mundo.
Lutamos não só pelos índios guarani, mas pelos índios do Brasil inteiro. Na Amazônia, todos os povos indígenas estão sofrendo por causa desse governo que está aí. Queria que o governo brasileiro respeitasse as comunidades indígenas como população. Que respeitasse o modo de vida dessas comunidades. Porque a população guarani que existe hoje em São Paulo ainda preserva sua cultura, suas tradições, o canto, o modo de vida das populações indígenas do Brasil inteiro. Queria que o governo respeitasse essas pessoas, porque tirar a terra de um indígena é matar a própria vida de um monte de pessoas.