“Mineração não é serviço essencial, está na hora de parar”, alerta militante

Karina Martins, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, explica como a Covid-19, aliada aos grandes empreendimentos afetam os mais pobres.

Por Jéssica Moreira

24|04|2020

Alterado em 24|04|2020

Este conteúdo integra o especial “Racismo Ambiental: Mulheres indígenas e quilombolas na proteção de seus povos contra o Covid-19

“Por mais que haja uma hashtag #FicaemCasa, ela funciona dentro das grandes metrópoles e para um público privilegiado que pode ficar em casa”. A fala é da professora, militante e uma das lideranças do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Karina Martins, 34.

Moradora da zona leste da capital paulista, um dos territórios mais afetados pela Covid-19 nas periferias, Karina divide seu tempo entre as lições virtuais que precisa enviar aos alunos enquanto professora e o trabalho junto às mulheres que sentem na pele os impactos da mineração e, portanto, do racismo ambiental que ronda seus territórios. 

Para ela, a Covid-19 vem para alertar a sociedade de forma geral, mas ainda é um alerta tímido, uma vez que a preocupação está mais direcionada com os impactos da doença dentro das regiões metropolitanas. “A gente esquece que fora das regiões metropolitanas a gente tem uma massa de população existente”.

Quando o inimigo está ao lado

Em muitas comunidades rurais, ou aquelas que já foram ocupadas pelo interesse de grandes mineradoras, ficar em casa significa também estar em risco, já que o processo de produção dessas indústrias são constantes. 

“Como é que você vai ficar em casa se tem uma mina do lado da sua casa funcionando a todo vapor? Como que vou ficar em casa, se tenho as madeireiras a todo vapor ao lado da minha aldeia indígena?”, questiona Karina, que acredita que “mineração não é serviço essencial é já está na hora de parar”.

Como que vou ficar em casa, se tenho as madeireiras a todo vapor ao lado da minha aldeia indígena?

“O serviço de mineração não é um serviço essencial, está na hora de parar. Está na hora de parar todos os serviços de mineração com a segurança dos direitos trabalhistas, e dos salários para que as pessoas de fato consigam ficar em casa”.

Para a ativista, é importante entender que esses pólos industriais no território são também um símbolo do avanço do capitalismo sobre a classe trabalhadora como um todo. 

“Essa classe tem cor e tem território. Pode ser uma classe invisível aos olhos da sociedade comum, mas não somos invisíveis aos olhos do capitalismo, que sabe muito bem onde tem uma terra de alta qualidade para minerar”, explica e conclui dizendo que “o capitalismo não enxerga os povos, mas o território eles enxergam”.

Violência contra a mulher nos territórios de mineração

Quando a quarentena teve início, o coletivo de mulheres do MAM se organizou principalmente para atender aos possíveis casos de violência doméstica, com telefones acessíveis e integrantes aptas a responder às mais diversas dúvidas relacionadas ao tema. 

“A gente sabia que isso iria acarretar o cotidiano de forma ainda maior, muito mais evidente. Tanto na violência contra as mulheres quanto das crianças. Ainda mais que as crianças não têm mais a escola, como aquele lugar de sociabilidade, muitas vezes como um refúgio e respiro às suas violências domésticas cotidianas. Ela vai ficar dentro de casa e ela vai sofrer todos os ataques, agora intensamente”.

Contradições

Nas últimas semanas, muitas foram as empresas que se dedicaram a fazer lives e se mostrarem preocupadas com o momento. Mas não se pode deixar enganar, alerta Karina.

Enquanto os grandes acionistas da mineradora Vale estão lá fazendo videoconferência, eles estão colocando seus trabalhadores em minivans, ônibus, e os enviando para a plataforma de mineração

“Enquanto os grandes acionistas da mineradora Vale estão lá fazendo videoconferência, eles estão colocando seus trabalhadores em minivans, ônibus, e os enviando para a plataforma de mineração, para explorar territórios, e depois, sem proteção nem EPIs, essas pessoas retornam para suas casas, proliferando ainda mais o vírus”, crítica. 

Para ela, essas contradições não param apenas nas grandes empresas, já que existe uma classe média e alta que se mostram preocupada agora com problemas estruturais que sempre estiveram em evidência em nossa sociedade. Quanto a isso, ela espera que, mesmo depois que a pandemia passar, as pessoas continuem se preocupando. 

Essa preocupação de se alimentar bem é uma preocupação de movimentos de longuíssima data. Não estou dizendo que a distribuição das cestas básicas não têm importância. Claro que são importantes. Mas é importante a gente perceber que essas ações de hoje elas têm que se manter. Esse Brasil que se mostra solidário e preocupado com a vida do próximo tem que permanecer”, destaca. 

Insegurança alimentar 

Segundo a Síntese dos Indicadores Sociais, uma publicação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há 54,8 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza no país. 

Em um momento pandêmico, a situação se torna um problema para todos, ainda mais para grupos que já eram vulnerabilizados. 

“Infelizmente, nossos territórios eram antes somente rurais, com grandes produções. Inclusive produção agrícola bastante dinâmica. Mas quando implementam um sistema de mineração, essas pequenas dinâmicas culturais e comerciais deixam de existir. Hoje em dia não tem como os trabalhadores, as pessoas dos territórios, pescarem no riozinho que corta seu território, o rio está poluído por conta da mineração”, conta Karina. 

Diante dessa mudança, trabalhadores e trabalhadoras precisam comprar aquilo que antes tinham gratuitamente na própria natureza.

“Uma vez que os trabalhos estão ficando cada vez mais escassos e com a crise na área econômica, isso também é uma preocupação nossa. As escolas fechadas, então, demanda mais alimento para dentro de casa, uma vez que as crianças não têm mais o lugar da escola para se alimentar”.

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