COVID-19: moradora da zona sul oferece marmitex gratuita para crianças

Falta de dinheiro para comprar comida é ponto de atenção na periferia. Muitas pessoas continuam trabalhando, poucas são afastadas do trabalho com remuneração e o desemprego ronda. A questão é:  como essas famílias vão lidar com a ausência da alimentação escolar e o aumento dos custos para manter uma casa? 

Por Semayat S. Oliveira

21|03|2020

Alterado em 21|03|2020

Um dos dilemas causados pela quarentena contra o Covid-19, mais conhecido como Coronavírus, envolve entender quem vai comer ou não. No meio de uma paralisia econômica que avança feito maré cheia, as pessoas com possibilidade de trabalhar de forma remunerada em casa estão em vantagem. O problema é que, de longe, este não é o caso das periferias brasileiras.

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A corrida para o estoque de comida escancara um chaga profunda: a possibilidade de faltar itens na prateleira não assusta tanto quanto a de faltar dinheiro para as compras. Desse cenário, nasceu a preocupação de Luana Vieira, estudante de Direito e produtora da comunidade de samba Na Disciplina, no Jardim Miriam, zona sul da capital paulista.

“Além da higiene e de isolar meus filhos, me preocupo com o acesso à alimentação”, explica. No primeiro dia de isolamento ela já percebeu o impacto para as crianças. “Muitas delas vão para a escola para comer”.

Desfalque educacional e alimentar

Com as aulas interrompidas, o desfalque não é apenas educacional, mas alimentar. Muitas pessoas continuam trabalhando, poucas são afastadas e ainda têm incertezas sobre o emprego. Essas são algumas das questões pairando no ar. “Diaristas, domésticas, os comércios locais, como vão ficar? E as pessoas não estão parando, não tem como parar”.

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A necessidade de isolamento, que Luana ainda não vê em prática nas periferias, afetará os bairros de uma forma brutal. Em sua opinião, com todos os cuidados necessários contra a pandemia e mais o número de pessoas desempregadas, em breve teremos um aumento significativo de pessoas em situação de fome.

Pensando em colaborar com suas vizinhas e vizinhos de forma mais direta, ela decidiu oferecer comida para as crianças na última sexta-feira (20). Arroz, feijão, carne moída e batata. Luana preparou 30 refeições gratuitas e, bem antes do que esperava, acabou tudo.

As marmitex foram cedidas por um comerciante local, dono de uma loja em que ela já tem o hábito de comprar descartáveis. “Quando eu cheguei lá e contei o que queria fazer, ele me deu 300 unidades. Me disse que já que ele teria que fechar, podíamos acertar o pagamento depois”.

Para a moradora, essa é uma atitude que os comerciantes locais vão precisar avaliar. “Não vai adiantar acumular coisa ou subir os preços, daqui a pouco ou fecha ou a quebrada não vai ter dinheiro para comprar’.

Neste sábado (21) foram preparadas 100 refeições. A ação, por enquanto, sai do bolso da Luana. Mas ela tem guardado as notas fiscais para contar com a ajuda de amigas, amigos e outras parcerias. Uma delas é com a UNEAFRO, organização de cursinhos populares da capital paulista. Além de colaboradora, Luana é lidera uma das turmas na rua de sua casa.

A ideia é priorizar os mais novos, mas a necessidade atinge adultos e idosos também. Dona Djanira, moradora da Cidade Júlia, na mesma região, foi buscar seu almoço hoje. Parte do grupo de risco, ela diz não ter álcool em gel em sua casa, assim como também não tem um colchão ou comida.

Seu marido, Juarez, está acamado há anos e os medicamentos são constantes. Ela usa a aposentadoria dele com custos básicos de sobrevivência, mas ainda falta e muito. “Vim buscar a marmitex porque tô sem dinheiro”, conta.

 A conta não fecha 

“Eu não concordo com essa ação individualista e capitalista de só pensar em si, de esvaziar os mercados, mas também não posso deixar faltar”, afirma Luana. Ela está trabalhando de casa com remuneração desde a última semana,  mas seu companheiro não. “Thiago corre o risco de quebrar esse mês”, fala. Ele fechou as portas do seu negócio na rua Santa Efigênia, um dos principais centro de vendas em tecnologia da capital paulista. 

Com as escolas fechadas, as três crianças estão em casa e a filha mais velha também, afastada por conta da pandemia. A conta é simples: com o mínimo de três refeições ao dia, o consumo deu um salto. “Os grandes mercados da região estão limitando a venda de alimentos por unidades, mas eu gasto muita coisa por semana, não é o suficiente para mim”. 

Por isso, os mercadinhos têm sido uma opção, mas os preços estão mais altos que o normal.Um exemplo é o pacote de arroz, Luana relatou pagar R$ 17,00 em 5Kg, mesmo sendo uma das marcas mais baratas.

Então entra outra questão: quem tem dinheiro para estocar comida? “Aqui as pessoas não tem como fazer uma compra pesada e gastar R$ 700,00 em uma compra de dois meses, como fazer?

Bom, ainda não há resposta.