A Bordar Espaço Terapêutico: um ateliê de cuidados no Grajaú

"Nós buscamos deselitizar as discussões e ações em saúde mental na periferia. Muito ainda se tem a ideia de que cuidar da Saúde Mental é coisa de rico, frescura ou falta de fé"

Por Lívia Lima

25|07|2019

Alterado em 25|07|2019

(Para escutar enquanto lê a reportagem => ♫ ♬ )

Este conteúdo faz parte do Especial “Cuidando de quem cuida”. Clique aqui para ler o especial completo.

Em uma casa simples e acolhedora no Jardim Colonial, localizado no Grajaú, na zona sul de São Paulo, foi fundado em junho de 2018 o A Bordar Espaço Terapêutico, por iniciativa de quatro psicólogas, moradoras do bairro. 

No local são realizados atendimentos clínicos em psicoterapia individual para mulheres, majoritariamente negras, além de crianças e adolescentes. O espaço também promove meditação ativa para mulheres, um grupo de “EX-Tudo” sobre saúde periférica, aberto a todos os interessados a estudar a temática, cursos sobre sexualidade e orientação profissional para adolescentes, questionando mercado de trabalho e investimento público para a juventude periférica.

 “Nós buscamos deselitizar as discussões e ações em saúde mental na periferia. Muito ainda se tem a ideia de que cuidar da Saúde Mental é coisa de rico, frescura ou falta de fé. Acreditamos que tudo isso é reflexo de um olhar elitizado da saúde mental, da psicologia. E isso faz com que a periferia tenha pré-conceitos com a temática, dificultando a busca por ajuda em momentos de necessidade. Nosso espaço tem o desejo de tornar os temas em saúde mental algo menos elitizado e mais acessível à população”, explica Elânia Francisca, 31 anos, uma das psicólogas da casa.

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crédito: divulgação

Há grande dificuldade na manutenção financeira do espaço. Sem nenhum financiamento externo, os recursos para manutenção vêm das contrapartidas das pessoas atendidas, contribuindo com o que conseguem. As gestoras admitem utilizar renda pessoal vinda de outras fontes de trabalho para pagar o aluguel e as contas. “Por não termos verba para custear nossos gastos, precisamos realizar trabalhos remunerados em outros locais e isso, muitas vezes, acaba diminuindo o tempo disponível para realizar ações no local.

Ainda assim, para Elânia é muito importante estabelecer um local especializado em saúde mental no bairro. “O genocídio do nosso povo não acontece somente de forma objetiva, concreta… O contexto que vivemos tenta nos matar subjetivamente a cada minuto. Fragilidade na autoestima, medo, racismo, machismo, tudo isso gera ranhuras na alma que precisam ser cuidadas… Falar de saúde mental na periferia é possibilitar cuidar do que não se pode ver, mas existe!”.

Há o desejo do grupo de ainda esse ano promover ações coletivas voltadas para mulheres negras, a maioria das pacientes em psicoterapia, mas elas ainda aguardam apoio financeiro de possíveis editais. 

“É importante que mulheres negras saibam que não é só a psicologia que promove saúde mental, mas ela também tem seu valor no processo de autocuidado.

Entendo que é extremamente complexa a relação de aproximação com o processo de psicoterapia, mas frequentar espaços de discussão sobre saúde mental, praticar yoga, esportes coletivos com outras mulheres negras é uma estratégia interessante de se cuidar”, acredita Elânia. 

“Jogar vôlei na rua (se isso for possível em seu bairro), basquete, futebol ou jogos da infância (taco, rouba bandeira) são ótimas oportunidades de resgatar a potência da coletividade e ainda cuidar do corpo. Banhar-se no escuro, ouvindo uma música que lhe agrade. Exercitar a respiração… Alguns recursos de autocuidado podem parecer bobos, mas tem ótimos efeitos.

Somos incentivadas a sempre demonstrar força que às vezes nem percebemos que a leveza também é fundamental.

Nas palavras de Nayra Lays ‘Nós merecemos fartura de vida inteira, imensa’ e ter saúde integral é algo que toda mulher negra merece”, conclui.