Amamentação em tempos de Covid-19: entenda a importância do aleitamento

Mesmo antes da quarentena os índices já eram baixos. Apenas 40% das crianças com menos de seis meses de idade são alimentadas exclusivamente com o leite materno. O que impede as mulheres brasileiras de amamentar?

Por Mayara Penina

14|08|2020

Alterado em 14|08|2020

A amamentação é a medida isolada que mais combate a mortalidade infantil em todo o mundo. Garante a nutrição completa da criança, protege contra várias doenças, impacta no desenvolvimento infantil e previne, ainda, de enfermidades crônicas na vida adulta.

Não há dúvidas sobre os benefícios do leite materno, mas em tempos de pandemia, muitas mulheres e famílias estão em dúvida sobre seguir ou não com a amamentação em caso ou suspeita de Covid-19.  

Para entender isso melhor, conversamos com a pediatra Sonia Venâncio, diretora-assistente do Instituto Saúde. Embora o Sars-Cov-2 tenha sido detectado em poucas amostras de leite materno até o momento, não existem evidências científicas de que a Covid-19 possa ser transmitida pelo leite materno, explica.

Você sabia? A amamentação pode evitar, por ano, a morte de 1,3 milhão de crianças menores de 5 anos Fonte: Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) realizada até os 6 meses de vida.

“Um estudo publicado no Lancet em julho deste ano acompanhou 120 recém-nascidos, filhos de mães portadoras de Covid-19 que foram amamentados com medidas de prevenção do contágio pela via respiratória e nenhum deles testou positivo para Covid-19 ao final de duas semanas”, explica Venâncio.

Ela também relembra que, crianças que contraem a Covid-19 tendem, em sua maioria, a desenvolver formas brandas da doença. Sendo assim, a recomendação da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde para as mães com suspeita ou confirmação da Covid-19 é que elas amamentem

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) as recomendações sobre a amamentação devem ser baseadas em uma consideração completa, não apenas dos riscos potenciais da infecção da criança por Covid-19, mas também dos riscos de morbimortalidade associados à não amamentação e ao uso inadequado de outros leites.

Como amamentar em caso de Covid?

De acordo com a OMS, as mães não devem ser separadas dos bebês a não ser que estejam muito doentes para cuidar da criança. Isso porque o toque e o contato da mãe com bebê é fundamental para seu desenvolvimento. A organização recomenda também outras medidas, como:

  • Amamentar recém-nascidos com suspeita ou confirmação de Covid-19 dentro de uma hora após o nascimento;
  • As mães devem ter a entrada assegurada nas UTIs neonatais caso o bebê precise de cuidados;
  • Caso o estado de saúde da mãe for grave e impedir que ela amamente seu bebê, o recomendado é que ela retire o leite e este seja oferecido com segurança à criança. Se isso não for possível o indicado é prover a alimentação com leite de outra doadora;
  • Se a mãe tossir, ela deve ser ajudada a limpar o peito com água e sabão antes de amamentar;
  • A mãe não deve deixar de amamentar seu filho mesmo em caso de não ter máscara.

Amamentar não é uma questão individual

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Martin, hoje com quatro meses, mamou na primeira hora de vida, chamada de “golden hour”. A prática auxilia nas contrações uterinas, diminuindo o risco de hemorragia pós-parto.

©arquivo pessoal

“No pré-natal no SUS (Sistema Único de Saúde), eu ficava muito perdida nas informações, era uma consulta muito clínica com o médico. Amamentação era uma coisa que não era nem falada. O médico via se estava tudo bem com os números do bebê e só. Foi no Coletivo Nascer que eu eu fui obter mais informações sobre o parto e amamentação”, conta ao Nós, mulheres da periferia a profissional de relações públicas Bárbara Lima, 27, mãe do Martin, de quatro meses.

“Eu senti muita falta de falarem sobre a questão emocional envolvida no ato de amamentar. Eu ouvia muitos relatos de mulheres que tiveram fissuras, que o leite empedrou, ou deu mastite (inflamação em decorrência da amamentação), coisas físicas que dificultavam o aleitamento”.

Barbara mudou-se há pouco tempo para a Bela Vista, região central de São Paulo. Longe da família, que mora na Vila Medeiros, zona norte de SP, as coisas ficaram ainda mais difíceis quando a pandemia trouxe a necessidade de distanciamento social.

“Nas primeiras semanas, ele ficava horas no peito, eu não tinha mobilidade nenhuma. Era muito cansativo. A pandemia foi o que piorou tudo. Porque além de tudo isso, eu ainda tive que ficar em casa trancada. A gente mora num apartamento pequeno, foi muito difícil”, relembra.

Com o acompanhamento de profissionais e apoio do companheiro, as coisas foram se ajeitando. “A sorte é que estou fazendo acompanhamento com terapeuta, ginecologista e pediatra. Eu consegui passar por isso com uma rede de apoio”, conta. “Por conta da pandemia, ninguém pode vir visitar, ajudar e somos só nós dois cuidando dele desde o começo. O fato do meu companheiro ter acompanhado tudo desde a gestação, consultas pré natal com esse Coletivo Nascer no pré-natal ajudou”.

Apesar aparente importância da amamentação, muitas atitudes desencorajam o aleitamento materno exclusivo. De acordo com a WABA (Aliança Mundial para Ação em Aleitamento Materno), esse cenário relatado por Bárbara é um dos fatores que limitam o tempo voltado ao autocuidado, fazendo com que as lactantes interrompam a produção de leite de forma precoce, devido ao esgotamento. O impacto é ainda maior para mulheres que atuam na informalidade ou que exercem a maternidade solo, acumulando mais jornadas de trabalho.

“Fora a amamentação, todo o resto dos cuidados de uma criança um pai pode fazer”

“Então, ele dividiu a carga comigo nestes quatro meses. Agora está bem mais fácil. À noite ele fica com ele, foi o que fez ser possível eu continuar amamentando”, diz aliviada.

É preciso que os profissionais de saúde, em especial as equipes de Atenção Primária, intensifiquem o apoio oferecido às mulheres, principalmente no início da amamentação, período em que podem ocorrer várias dúvidas e inseguranças”, aponta a pediatra Sonia Venancio, coordenadora de um estudo do Programa Primeira Infância para Adultos Saudáveis (Pipas), divulgado recentemente mostrando que no Ceará apenas 23% dos bebês de seis meses recebem amamentação exclusiva.

Diante da impossibilidade de realizar atividades em grupos de apoio presenciais, a pediatra sugere que outras alternativas sejam pensadas, como atendimentos on-line, visitas domiciliares e mesmo grupos em aplicativos que permitam o contato das mulheres com suas pares e  profissionais de saúde. “É importante que as mulheres recebam todo o apoio dos familiares, que as tarefas domésticas sejam compartilhadas e que elas se sintam seguras e fortalecidas para amamentarem seus bebês”, diz.

Amamentar no Brasil

Mesmo antes da quarentena, os índices já eram baixos, sendo que apenas 40% das crianças com menos de seis meses de idade são alimentadas exclusivamente com o leite materno.

A fala de Bárbara sobre o atendimento e falta informações nas consultas de pré-natal representa a falta de assistência que as mulheres brasileiras recebem quando se trata de aleitamento materno. Em razão da falta de orientação e das poucas condições ofertadas às mulheres, a média de tempo de amamentação no Brasil é de apenas 54 dias – atrás da Índia, Colômbia e Uruguai.

Em post no Instagram, a doula Daniella de Oliveira, afirma que falar de amamentação é, ainda, ter que lidar com o machismo cotidiano, dentro e fora de casa. “O machismo diz que nossos corpos existem para o deleite masculino e, portanto, os seios de fora para amamentar é uma provocação, exibicionismo. Somando-se, no caso das mães negras, ao racismo que hipersexualiza seus corpos.”

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