Duas mulheres de máscara olham para câmera

‘A quarentena nunca chegou’, dizem mulheres em serviços essenciais

Atendente de mercado e auxiliar de limpza, Giuliana e Isabel não tiveram direito à quarentena e contam como é o cotidiano de trabalho no mercado e na área de saúde em tempos de pandemia.

Por Jéssica Moreira

26|06|2020

Alterado em 26|06|2020

Pode ser que você não tenha dito bom dia à caixa do supermercado hoje. Ou, então, agradecido a auxiliar de limpeza do Pronto Socorro de seu bairro. Mesmo diante da invisibilidade, são mulheres como Giulliana Previatto de Souza, 19, e sua mãe, Isabel Previatto, 54, atendente e auxiliar de limpeza respectivamente, que garantem a manutenção de serviços essenciais durante a pandemia causada pela Covid-19.

O dia começa cedo na residência da família Previatto Souza, em Caieiras, na Grande São Paulo. Antes ou depois da crise sanitária, pois como diz Giulliana, o isolamento social não passou nem raspando na sua casa: “a quarentena não chegou na minha casa. Eu não vi nem o nome, nem a cor”. 

Há um mês, a atendente descobriu que está grávida, mas não tem outra escolha, senão a de trabalhar, mesmo em meio aos riscos de contaminação do novo coronavírus.

Como Isabel atua no esquema de 12h por 36h (ou seja, trabalha um dia e folga dois), Giulliana fica responsável pelos afazeres domésticos e a alimentação do pai. Para além das duas, Anastácio de Souza, 52, também não teve a chance de interromper suas atividades como auxiliar de limpeza na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).

“Quarentena aqui em casa não tem, não. Porque todo mundo aqui está trabalhando com a graça de Deus”, diz Isabel, agradecida, já que durante alguns meses ela e o marido ficaram desempregados.

“A gente toma o maior cuidado na rua para não trazer o coronavírus para dentro de casa, porque nossa área não parou. Então, quarentena aqui dentro não existe, nunca existiu”, complementa a filha.

A rotina em um mercado

Giulliana trabalha à tarde. Como o mercado é próximo de sua casa, ela vai caminhando. Antes de se sentar no caixa, lava o banheiro ou varre o chão. Coloca sua máscara e ali permanece atendendo nas próximas oito horas.

“Os riscos são muitos, porque ali entram diversas pessoas todos os dias, a toda hora. Tem cliente que é do dia a dia, tem cliente que eu nunca vi. Os riscos são diversos”, conta. No princípio da pandemia, ela também usava luvas, mas como sempre está manuseando alimentos ou dinheiro, a luva sempre rasgava, não cumprindo o papel de proteção.

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Quarentena? Não vi nem a cara, nem o cheiro, diz Giulliana Previatto

©Arquivo pessoal

Para ela, é importante que cada um faça sua parte. Embora a orientação seja o de uso de máscara e álcool em gel dentro dos supermercados, ainda é muito difícil manter a distância dentro dos estabelecimentos, reflete Giulliana.

“Se todo mundo fizesse a sua parte, acho que os números não estariam aumentando no dia a dia. No mercado, todo mundo usa máscara, há álcool em gel para todos os clientes e para higienizar os cestinhos. Agora, esse negócio de fila e quantas pessoas podem entrar no mercado é muito difícil isso. Os próprios clientes vão se organizando entre eles, mas quando vai ver, já está todo mundo perto. É muito difícil”, diz.

“Pra mim, é uma rotina normal, não está existindo quarentena. A gente está tomando os cuidados, sim. Usa máscara e tudo. Deixa a casa arejada. Mas, quarentena aqui não existiu”, diz Giulliana

A jovem conta que, de princípio, ela mesma não acreditava na dimensão da pandemia. “Minha ficha só caiu mesmo quando um fornecedor disse ao meu chefe que não iria mais abastecer mercados, porque não estava entrando recursos”.

Depois disso, seu namorado, que é enfermeiro, contraiu o vírus e eles ficaram quase 20 dias sem se ver. Agora, está tudo bem, mas Giulliana entende que, mesmo sem uma quarentena, ela precisa se precaver, já que os receios de contrair o vírus estando grávida também aumentaram.

“Pra mim, é uma rotina normal, não está existindo quarentena. A gente está tomando os cuidados, sim. Usa máscara e tudo. Deixa a casa arejada. Mas, quarentena aqui não existiu. Porque os nossos serviços não deixam a gente pegar esses dias em casa. Então, a rotina está normal. Temos que tomar todos os cuidados.

O dia a dia em um Pronto Socorro

O cotidiano de Isabel se assemelha ao da filha, mas com camadas a mais de cuidado. “Chego lá, digito o cartão de ponto, vou para o meu setor, me troco, arrumo o meu carrinho de produtos de limpeza, tomo um café e começo a trabalhar”, relata. 

A auxiliar de limpeza diz que é preciso tomar muita precaução. Uma das orientações é sempre manter distância das outras pessoas e também não entrar no setor de isolamento, que é onde ficam os pacientes com suspeita de contaminação por Covid-19.

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Isabel Previatto é auxiliar de limpeza em um Pronto Socorro

©Arquivo pessoal

Quando alguém vem a óbito, os profissionais da limpeza precisam dar um intervalo de algumas horas para só depois colocar uma roupa adequada para higienizar o local. 

“A gente não entra no isolamento. E a gente usa máscara e álcool em gel toda hora. Lava as mãos. Sempre se protegendo. Uso luvas, óculos, touca, máscara. O álcool em gel é liberado. Em cada corredor tem vários suportes de álcool em gel, você lava as mãos e depois já higieniza com álcool”, diz. Ela assume que tem medo, mas tenta se precaver.

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