‘Negros e LGBTs têm um projeto de país, precisamos estar na política’
Biatriz Souza, 26, tem o sonho de ser a primeira vereadora negra e LGBT de sua cidade, onde a Câmara dos Vereados é majoritariamente masculina.
Por Jéssica Moreira
28|06|2020
Alterado em 28|06|2020
A articuladora e educadora Biatriz Santos, 26, de Camaragibe, região metropolitana de Recife (PE), tem um sonho: representar as mulheres pretas LGBTI+ na cena política da região nordeste do Brasil.
“Quero me tornar a primeira jovem negra vereadora da cidade de Camaragibe. O movimento negro e a população LGBTI+ têm projetos políticos para este país. Precisamos estar na política para colocá-los em prática, para decidir sobre as nossas vidas”, diz a ativista e também estudante de Serviço Social da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE).
Em decorrência da pandemia causada pelo coronavírus, as eleições municipais de 2020 possivelmente serão adiadas. A alteração, no entanto, ainda precisa de aprovação de uma emenda à Constituição pelo Congresso Nacional.
Lideranças dos partidos se reuniram no sábado (27) na residência oficial da presidência da Câmara dos Deputados para garantir uma votação na próxima semana e uma conversa esta prevista ainda para este domingo (28).
Vontade de mudança
Quando criança, eram outros os planos que tinha para a fase adulta: ser juíza da Vara da Criança e do Adolescente. O sonho foi findado quando policiais armados invadiram sua casa à procura de traficantes.
“Meteram o pé na porta, botaram a arma na cabeça do meu padrasto. Desde esse dia, meu pensamento em relação à justiça mudou. Cresci com essa revolta, o que foi um impulso para que eu entrasse nos movimentos sociais que faço parte”, conta.
Biatriz integra a Coalizão Negra por Direitos, organização formada por negras e negros de diferentes regiões do país, com ações de combate ao racismo em diferentes níveis, desde a mobilização dos territórios à incidência direta na política.
“Sempre me incomodei muito com o sistema político da minha cidade, bastante corrupto e assistencialista. A partir desse incômodo e pelo machismo explícito da Câmara dos Vereadores, onde de 13 vagas há 12 ocupadas por homens, nasceu a vontade de me lançar na política”, diz a ativista.
“Pela minha vontade de mudança é que eu coloco esse meu corpo negro e LGBTI+ como vetor de mudança social. A partir desse processo de pré-candidatura, quero representar o povo nesse sistema. Eu sei que tem os desafios, mas é um risco que a gente corre, mas sei que não estou só”.
Biatriz Souza quer ser a primeira mulher negra vereadora de sua cidade
©Arquivo pessoal
Ser negra e LGBTI+ na política
Enquanto mulher bissexual, ela considera que, dentro do sistema político, o corpo mais vulnerável é o corpo negro, LGBTI+ e feminino. “Não é um corpo bem-vindo. Há um processo de expulsão bastante doloroso. Vivenciamos, recentemente, o assassinato da vereadora Marielle Franco. São roteiros que não queremos que aconteça com outras pessoas que ocupem esse espaço, gente que vem de baixo, das nossas favelas e movimentos”, diz.
“Precisamos estar lá para colocá-los em prática, para decidir sobre as nossas vidas”
De acordo com o IBGE, 51,7% da população brasileira é composta de mulheres. Mesmo sendo um pouco mais da metade, na política, ocupamos apenas 12% do total das prefeituras; só 13% das cadeiras de vereadores e apenas 16% no Congresso Nacional, mostram os dados do TSE.
Quando olhamos para as mulheres negras, os números caem ainda mais. Em entrevista ao Universa, a advogada Laura Astrolabio, da ONG Mulheres Negras Decidem, aponta que a população de mulheres negras é o maior grupo demográfico brasileiro, sendo 28% no país, mas apenas 2% do Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, das 513 cadeiras, apenas 77 são ocupadas por mulheres, sendo apenas 13 negras.
É deste contexto, que nasce um dos projetos de lei do movimento Mais Mulheres da Política, iniciativa de organizações da sociedade civil e Ministério Público. O propósito é reservar 50% das cadeiras das Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas Estaduais e Câmara dos Deputados às mulheres e metade delas para mulheres negras.
Antes de seu brutal assassinato, a vereadora Marielle Franco fez uma última fala pública trazendo a importância da representatividade e renovação política: “o mandato de uma mulher negra, favelada, periférica, precisa estar pautado junto aos movimentos sociais, junto à sociedade civil organizada, junto a quem está fazendo para nos fortalecer naquele lugar onde a gente, objetivamente, não se reconhece”.
Falando de política na quebrada
Articuladora, educadora popular e fundadora do Coletivo de Juventude Negra Cara Preta -organização que, desde 2016, contribui com a formação política de jovens pernambucanos negros que vivem nas periferias – Biatriz sabe muito bem que a palavra política ainda carrega muitos tabus, com a repetição de frases como “política não se discute” ou “não sou envolvida com política”.
“A política é algo muito mais amplo do que a gente vê na televisão. Política é falta d’água, falta de energia, é aquele poste que caiu e ninguém veio consertar”
“O povo está muito desacreditado. A falta de credibilidade ao sistema político é constante, mas hoje há um aprofundamento maior, por conta das perdas de direitos em nosso país”, arrisca a ativista, referindo-se aos cortes em políticas sociais voltadas à saúde e educação, por exemplo.
Quando ela realiza atividades em sua comunidade, tenta sempre explicar que a política permeia principalmente a vida dentro das comunidades. “A política é algo muito mais amplo do que a gente vê na televisão. Política é falta d’água, falta de energia, é aquele poste que caiu e ninguém veio consertar”, diz a futura candidata pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
“Só conseguimos mudar essas problemáticas, que também integram a política, ao fazer uma ocupação positiva, colocando pessoas realmente comprometidas com causas mais próximas da gente”.