Zona leste de SP recebe curso de formação política para mulheres negras
Realizado no Espaço Adebanke, em Artur Alvim, as inscrições já foram encerradas, mas há vagas exclusivas para leitoras do Nós, mulheres da periferia participarem do próximo encontro
Por Redação
03|06|2019
Alterado em 03|06|2019
Por Daiane Pettine
“Narrativas de Liberdade”, esse é o nome do processo formativo que propõe trazer a discussão sobre política para o cotidiano de mulheres negras que moram nas periferias de São paulo. Começando pela zona leste, no espaço Espaço Adebanke, cerca de 30 participantes se reuniram no dia 19 de maio para o primeiro encontro do ciclo.
E sua segunda edição, o curso foi idealizado pela Marcha das Mulheres Negras de São Paulo e realizada com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. O objetivo é incentivar a troca de conhecimento entre mulheres negras.
Andreia Alves é responsável pela coordenação geral, Juliana Gonçalves atua como coordenadora pedagógica e Daiane Ayaba na produção. Os temas abordados são contemporâneos e a condução do diálogo tem o foco de criar um espaço seguro de fala e escuta, com troca de conhecimento e acolhimento.
Foto: Divulgação
“As urgências das mulheres negras estão ligadas a muitos assuntos. Pensando nisso, cuidadosamente, escolhemos dez debates que serão divididos durante os três meses de curso”, conta Andreia.
Entre os temas selecionados estão violência doméstica, autonomia financeira, política, cuidado e autocuidado, entre outros.
“O curso foi importante para eu me posicionar de forma mais política”, afirmou Daiane durante a roda de abertura do primeiro dia de curso, ela é ex-integrante da primeira edição do curso que hoje faz parte da equipe realizadora da formação, .
No ano passado o Curso Narrativas de Liberdade ganhou sua primeira edição. Outras 30 mulheres negras percorreram diversos espaços das periferias de São Paulo. A cada novo espaço, um novo tema foi abordado. Brasilândia, Cidade Tiradentes e o Jardim São Luiz foram alguns dos locais visitados.
Embora as vagas estejam encerradas, as duas primeiras mulheres negras, leitoras do Nós e moradoras da zona leste que enviarem email para narrativasdeliberdade@gmail.com serão convidadas para o próximo encontro. Basta incluir no assunto do email: “Nós, mulheres da periferia e Marcha das Mulheres Negras”.
“Embaixo do viaduto também nascem flores”
Para participarem do curso “Narrativas de Liberdade”, as mulheres se inscreveram no Espaço Adebanke, localizado próximo do metrô Artur Alvim. A divulgação não passou pela internet, pois o objetivo era atender mulheres daquela região.
A estratégia rendeu uma boa diversidade etária para o grupo composto por mulheres de diferentes profissões e vivências. Idosas, mães, adolescentes, algumas que pela primeira vez visitavam o lugar.
Foto: Divulgação
Existente há 5 anos, a administração é coletiva e feita pelas gestoras Angelina Camilo, Maria da Graça e Marlene Santana, mais conhecidas como Pretas Bás.
Logo na entrada, que fica embaixo de um viaduto, lê-se os dizeres: “Embaixo do viaduto também nascem flores”. É assim que o espaço se apresenta. Além do curso, a programação reúne uma série de atividades culturais voltadas, sobretudo, à comunidade negra.
“Somos mulheres guerreiras e corajosas que cuidam da ancestralidade com a consciência de quem também cria ancestralidade”, explica Marlene.
Roda de escuta e compartilhamento
Foto: Divulgação
No primeiro dia de curso os dois temas escolhidos para o debate foram “O que é ser mulher negra” e “Saúde da mulher negra”. Nesse contexto, a discussão passou por temas como história, corpo, racismo, colorismo e brasilidade.
O primeiro assunto foi facilitado pelas integrantes da Marcha das Mulheres Negras com uma roda de escuta e compartilhamento de percepções e perspectivas. Depois, um mural de palavras foi construído a partir da fala das integrantes.
“Se descobrir negra é uma experiência comum. Se descobrir negra pressupõe que algo estava encoberto. Nossa história foi distorcida ou apagada. Se sentir mulher negra retoma a construção da nossa identidade relacionada sim à escravização de nossos antepassados, mas também a todo processo de resistência que marca a vivência de mulheres negras. Esse corpo da mulher negra foi sendo construído historicamente e socialmente como um corpo com direitos diferentes das mulheres brancas”, explanou Juliana às participantes .
Saúde do corpo negro
Depois do almoço oferecido pela organização do curso, foi a vez da fala da médica da família Suzane Pereira da Silva, nascida e formada na Zona Leste.
Suzane destacou os impactos do racismo nas políticas de saúde ao realizar o apanhado histórico do sistema de saúde e suas relações com o racismo institucional. Citou também a esterilização compulsória das mulheres negras e controle de natalidade, assim como ressaltou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Saúde é um direito da população e um dever do estado. Embora a igualdade seja um valor fundamental, muitas vezes ele por si não combate às desigualdades. A equidade, por sua vez, significa a diminuição das diferenças”, frisou Suzane, que também apresentou a Política Integral de Saúde da População Negra.
A médica trouxe dados que comprovam que mulheres negras morrem de doenças tratáveis e relacionou o peso do racismo institucional com a área da saúde. Segundo Suzane, as causas de morte materna estão relacionadas à predisposição biológica das negras para doenças como a hipertensão arterial, fatores relacionados à dificuldade de acesso e à baixa qualidade do atendimento recebido. Soma-se a esse cenário a falta de ações e capacitação de profissionais de saúde voltadas para os riscos específicos aos quais as mulheres negras estão expostas.
A fitoterapeuta Brunna Santana também participou do curso e falou sobre a ginecologia natural que remete a saberes ancestrais.
“A ginecologia natural é um movimento de descolonização dos pensamentos e dos hábitos em que as mulheres estão resgatando o cuidado com seus corpos por meio de conhecimentos que as curandeiras, rezadeiras, benzedeiras, parteiras, mães de santo já praticavam, mas foram esquecidos pela maioria das pessoas”, pontuou Brunna
Segundo ela, esse movimento vem para reintegrar a saúde de todas as mulheres de forma física, energética e espiritual. Ela defende meios naturais de se relacionar com a menstruação e incentiva uma forma mais livre de entender a menstruação da mulher e a menopausa, por exemplo.
“O que tem um tom negativo de “menos”, transformamos em “pleno” e utilizamos o nome “plenipausa” para exaltar a maturidade das nossas mais velhas, guardiãs da sabedoria”, complementou Brunna que também abordou o poder das plantas medicinais.